O pensar chinês, em sua remota antiguidade, desenvolveu um sentido próprio de investigação estética, amplamente distinto e singular daquele que conhecemos na cultura ocidental. A visão do mundo material é esmiuçada por uma ciência cujas regras nos são praticamente desconhecidas - e, no entanto, esta mesma ciência possui uma eficácia que têm sido largamente comprovada através dos séculos.
A esse modo de “ver o mundo”, acopla-se um noção estética que busca, a todo tempo, despertar a empatia, enfatizando uma “subjetividade aparente”; a beleza de uma peça já está contida em sua matéria-prima, e cabe ao artista traze-la a vida. Este artista, no entanto, não é mais que um “transformador” de estados, um ator no processo de mutação.
Como, então, podemos buscar compreender a arte chinesa? De que forma ela se estrutura, quais são suas regras? Quem é o artista? Qual a sua função neste pensar tradicional? Neste breve texto, buscaremos analisar alguns destes aspectos enfatizando um dos elementos emblemáticos da cultura chinesa: jun, o torno do oleiro.
A beleza e a subjetividade aparente.
Desde os primórdios, o pensamento chinês é dominado pela idéia de que há um princípio universal (Li) que a tudo subjaz e ordena. Este princípio se manifesta pela oposição complementar de yin e yang, os dois estados supremos, que engendram a todo tempo a criação e a desintegração da matéria (Qi). À matéria, se opõe o vazio (Kong)- e é o vazio que manifesta o espírito (ou ordenação) funcional de um objeto. Dizia o pensador Laozi; “queima-se barro para fazer um pote, mas a utilidade de um pote é o vazio” (Daodejing, 11). Ou seja, é deste vazio que surge a utilidade de um pote; o que ele seria se seu espaço estivesse preenchido? Há vazio dentro e fora do pote; logo, pois, é a matéria que atua no vazio, e não o contrário; é o vazio que determina as formas, as silhuetas, pois sem o contraste (a oposição complementar entre ambos) a forma não aparece, não se delineia.
Disso, poderíamos extrair a falsa idéia de que os chineses acreditavam poder “dominar” a matéria, dando-lhe a aparência que achavam mais conveniente. Ledo engano. Por entender que há uma forma mais “adequada” de ordenar a matéria, os chineses desenvolveram o conceito de que o princípio daquilo que será já está contido, na verdade, na substância bruta. Não se pode, por exemplo, lapidar uma pedra sem seguir seus veios; não se pode fazer um pote de barro ou um vaso de bronze se não conhecermos o ritmo dos materiais, sua consistência, sua forma de agir; quando Qi se materializa na forma de um metal, como ele responde ao fogo e a água? Quando Qi surge como barro, porque não podemos esculpi-lo como a madeira? Para toda e qualquer substância, pois, há um método; e para cada peça, há um caminho a ser trilhado. Nenhuma peça é igual a outra; por mais parecidas que sejam, não podemos conforma-las com perfeição. Eis porque os chineses vêem aí, em tudo, o princípio antagônico de yin e yang; existem padrões para se trabalhar a matéria, e no entanto, nunca o resultado será igual; existem regras imutáveis, mas estas regras se adequam ao que é mutável; assim sendo, o artista é aquele que emprega toda a sua capacidade em melhor manifestar o que está contido na matéria-prima, e descobrir o princípio, o espírito da peça que está escondido; é o que determina, pois, esta estrutura do pensamento chinês, marcada pela noção do lapidário - alguém que investiga os veios da pedra, testa suas resistências, e tira partido delas para compreender e acessar-lhe a beleza imanente (Vandermeersch, 1980:t.II).
Assim, para o artista chinês, capacitar-se e ter talento significam estudar e desenvolver a acuidade sobre os três estágios sutis da transformação da matéria sobre as quais ele atua: “Rong, o aspecto sutil do sopro da vida - invisível por si, mas que vai, pouco a pouco, condensar-se, para formar as névoas, as brumas, as formas visíveis infinitas...é a virtualidade do impulso que se atualiza; Ling: o aspecto dinâmico do espírito vital, que permite a materialização do sopro: a energia que atualiza o virtual e Xing: a forma corporal visível” (Jopert, 1998). Obtendo a percepção destes três fatores, e dominando a técnica manual, o artista estará pronto, pois, a vislumbrar o Dao (Caminho) de manifestação da obra.
O Dao é um dos conceitos mais complexos do pensar chinês. Tudo está inserido nele; ele é a via pelo qual interagimos com o ritmo do universo, atuando de maneira harmônica de acordo com as tensões geradas pelo antagonismo yin-yang. Descobrir o Dao de uma peça é, pois, acessar o caminho que leva ao próprio Dao íntimo do artista. Quanto mais ele se aproxima da perfeição de suas capacidades, maiores são suas possibilidades de transcender. E, no entanto, se o Dao está em tudo, transcender não é algo que está num plano metafísico ou espiritual superior; transcender é realizar-se aqui mesmo, agora, no plano natural, interagindo de forma harmônica com o cosmo; “Nisto, o espírito chinês distingue-se fundamentalmente do espírito grego: Platão e Aristóteles querem levar à conquista intelectual do perfeito e, conseqüentemente, do universal; ao contrário, o chinês substitui o universal pelo necessário. A prudência é a regra da vida. O homem atinge um estado de prudência ao comparar as suas exigências com as dos outros, tendo em vista corrigir a natureza por forma a criar uma vida mais fácil para si e para todos. O pensamento grego visa ao equilíbrio, portanto à estaticidade; o pensamento chinês visa à eficiência e está todo assente no perturbado mundo humano e no seu contrastante e contraditório desenvolvimento. Ao universal do mundo racionalista contrapõe-se o particular. Segundo a concepção chinesa, a ordem é inerente ao mundo e permeia-o; a prudência e a cultura podem agir de modo que esta ordem permaneça e se conserve, sem sofrer alterações. O pensamento como ato puro, como valor supremo, segundo o mundo ocidental, é negado pela sensibilidade chinesa” (Pischel, 1963).
O Dao, portanto, é o caminho pelo qual se manifesta o princípio. Mas que caminho é esse que não se apresenta, e que ao mesmo tempo está presente em tudo? Como afirma Laozi, “O Dao nunca se agita, e por ele tudo se cumpre” (Daodejing, 37). De que forma, pois, podemos compreender esta realidade paradoxal que simultaneamente vivemos e não percebemos? Eis aí onde entra a habilidade do artista, a sua grande De (Virtude).
A Virtude (De) do artista é o seu talento, ou seja, sua capacidade de expressar; ou como dizia um adágio chinês, “sábio é aquele que torna o óbvio visível para todos”. Já não havia dito o velho mestre Confúcio, “Nada mais evidente que aquilo que não pode ser visto com os olhos e que não pode ser tocado com as mãos”?(Zhong Yong, 1) Pois ao desenvolver suas habilidades em compreender as leis da mutação da matéria é que o artista percebe como atuar sobre elas, como manipula-las, como acompanhar seu ritmo de existência. “O Dao lhes dá vida, a Virtude os manifesta; a matéria lhe dá forma, a técnica a completa” (Daodejing, 51). Ele descobre que a perfeita harmonia reside na articulação entre o natural (a matéria-prima) e o artificial (a técnica de trabalho), posto que uma sirva a outra de maneira interdependente. “Os que confiam no arco, na linha, no compasso e no esquadro para obter formas corretas, vão contra a constituição natural das coisas. Os que usam cordéis para ligar e cola para juntar as peças, interferem no caráter natural das coisas” (Zhuangzi, 6), pois “O oleiro diz "sei trabalhar bem com o barro. Se o quero redondo, uso compasso; se quero retangular uso o esquadro". O carpinteiro diz - "sei trabalhar bem a madeira. Se a quero em curva, uso o arco; se em linha reta, uso a régua". Mas como é que podemos pensar que a natureza do barro e da madeira desejam a aplicação do compasso e do esquadro, do arco e da régua?” (Ibidem, 7). "Portanto tem sido dito, não deixe o artificial destruir o natural; não deixe a vontade destruir o destino; não deixe a virtude ser sacrificada pela fama. Observe cuidadosamente esses preceitos, sem uma falha, e desse modo se revelará o Caminho" (Ibidem, 11). Conseqüentemente, qualquer um que se proponha ser artista não deve ser escravo da técnica, mas também não deve ser um leigo. Cabe agir com sabedoria, e desenvolver a virtude da arte. Sabendo isso, ele pode ir além da própria arte (Jullien, 1998).
Assim, como podemos observar até aqui, o artista chinês, a princípio, é também (ou busca ser) um sábio. Ele pretende atuar neste espaço vazio existente na oposição complementar das forças cósmicas, materializando o Li subjacente aos corpos brutos. “O que caracteriza o pensamento chinês é a capacidade para exprimir o nó das contradições, o momento das tendências antagônicas, a reunião que permite àqueles que tentam unir-se, encontrar-se e encontrar a vida. Existe sempre um meio aparentemente vazio e sempre ativo” (Larré, 1978). Seu objetivo não é apenas revelar uma beleza estética, mas A beleza que dá sentido a existência da obra e que se comunica com o íntimo dos seres humanos. “Todos os seres humanos apreciam os mesmos sabores, gostam de ouvir bons sons e reconhecem aquilo que é belo [...] pois hão princípios inerentes a estas coisas” (Mêncio, 6:7); porque “"Os olhos e os ouvidos não têm por função pensar, e estão sujeitos a serem turvados e embotados pelas coisas que os afetam. Mas pensar é função da mente. Pensando obtemos uma visão justa das coisas, impossível de conseguir, se descuidamos de pensar. Os sentidos e a inteligência são as dádivas do céu” (Ibidem, 6:15). Ou, como afirma G. Pischel, “Da observação da realidade, [o artista chinês] colhe, portanto, uma imagem que suscita no seu espírito uma íntima e poética vibração; mas esta concretiza-se, para além de um realismo fiel, numa fantasia poética que encontra a sua consistência mais na harmonia universal das coisas que na continuidade do real” (1963).
Neste sentido, mais do que personificar-se, o artista chinês busca “anular-se”, num processo de integração de sua obra com a natureza; “Assim pois, a perfeição da arte se realiza, certamente, quando a operação intelectual, a dizer, a arte no artista, pela qual ele trabalha, deriva integralmente da forma da obra que há de ser feita. Forma que procede então sem cálculo por parte do artista. E isto é o que significa o “vôo do dragão” chinês, e o desaparecimento mesmo do artista. Pois se há uma perfeição última ao qual tendem todas as coisas [...] falar então de uma “arte criativa” humana implica que a liberdade e a espontaneidade relativa de quem está de plena posse de sua arte (o artista) [...] e a “vida” desta mesma arte (que é igualmente um reflexo da vitalidade de seu autor) são verdadeiras imitações da natureza em sua maneira de operar e em seus efeitos” (Coomaraswamy, 1983).
Buscar o Dao (Caminho), manifestar o Li (Princípio), adquirir Virtude (De) e realizar-se; etapas que todo o pensador chinês trilhará na busca do conhecimento. Adaptadas a arte, transformam-se num meio pelo qual compreendemos como se dá a manifestação da matéria e nossa capacidade de atuar sobre ela. Por isso o artista busca desaparecer em meio ao sua obra, como parte integrante de um quadro, tal como o sábio imerge em seus pensamentos. A Arte é uma das vias para “saber” a natureza. E se há um artista que capta com quase perfeição essa sucessão de procedimentos intelectuais e filosóficos, este é o oleiro, cujo anonimato transplanta para a cerâmica a idéia perfeita de um equilíbrio (subjacente a própria obra) que se manifesta pela oposição da técnica com a matéria, pelo moldar da argila, pelo domínio de várias ações da natureza - o cozer, o umedecer, o talhar - conjugando-se na constituição de obras belíssimas como o celadon e a porcelana que antecederam em séculos o domínio técnico pleno do Ocidente na ceramismo.
Jun, o Torno do Oleiro
Ao longo da História Chinesa, vários artistas legaram seus nomes para a posteridade - ainda que este não fosse seu objetivo direto - destacando-se por suas produções na pintura, caligrafia, poesia, etc. No entanto, a cerâmica dispõe de uma apreciação toda especial pelos chineses, visto que, para estes, ela consegue captar a essência da beleza e se manifesta pela mão de artistas essencialmente anônimos e ignorantes de um saber letrado e intelectualizado. “Se pintura, caligrafia e poesia eram, na China clássica, apanágio da classe dos letrados (Wenren), por exigirem aprendizado intelectual muito apurado, é certo que uma sensibilidade artística muito aguda caracterizava todas as camadas sociais de uma civilização alimentada por milênios de tradição. Por envolver trabalho manual - de que, por norma, fugia ao letrado - a manufatura da cerâmica cabia ao povo. Os trabalhos, em regra geral, não eram assinados.[...] Mas o artista da cerâmica e da porcelana era anônimo e inculto. Entretanto, a cerâmica e a porcelana, obras de artesão, consubstanciam a mesma elevação de espírito que transmitem a pintura, a caligrafia e a poesia. Tal arte é merecedora de uma análise também no plano filosófico. Há, na China, uma prática da cerâmica e da porcelana, sem a elaborada teoria á maneira da pintura, caligrafia e poesia, mas que é reflexo de uma cultura coletiva inconscientemente absorvida; um modo de agir das massas que é espelho fiel do modo de pensar e criar dos letrados. A argamassa de seis milênios de Civilização continua permitiu, assim, que as barreiras entre a sensibilidade das diversas camadas sociais não fosse intransponível: um fino espírito permeia integralmente a Humanidade chinesa. O testemunho mais evidente, talvez, desse Agir Total encontra-se no universo da cerâmica e da porcelana, criado a nível dessas massas sem respaldo intelectual, mas de alma cultivada, e de modo espontâneo,inconsciente, dentro de uma sólida Tradição de alicerce monolítico e estrutura homogênea” (Jopert, 1998).
Uma síntese da idéia que permeia o trabalho o oleiro reside no ideograma Jun, que significa Equilíbrio. Este ideograma é composto pela associação da palavra Shi, “Terra” e Yun, “Aplainar, nivelar, desbastar”. O Equilíbrio surge, portanto, quando se aplaina o barro, quando se molda a terra, de maneira a dar-lhe forma; é a articulação perfeita entre o natural (matéria) e o artificial (técnica). O Equilíbrio reside, pois, no torno do oleiro; nele se encontra a harmonia natural da arte e do artista; nele se manifesta a obra e se chega ao Dao. "Quando a natureza prevalece sobre a cultura, obténs um selvagem; quando a cultura prevalece sobre a natureza, obténs um pedante. Quando natureza e cultura estão em equilíbrio, obténs um sábio” (Lunyu, 6).
Não seria estranho afirmar, por conseguinte, que nesta oficina cerâmica - onde nasce a idéia de representação ideogramática de “equilíbrio” - é que se acumula uma vasta gama de experiências com a matéria, suas formas, cores, texturas, etc. A atividade ceramista é uma das mais antigas, juntas com o jade. Encontram-se potes datados com segurança do século 22 a.C., e as descobertas arqueológicas têm as aproximado cada vez mais do alvorecer das grandes civilizações antigas - com a diferença substancial de que a China continua viva e a desenvolver-se, ao contrário do Egito, Mesopotâmia, Grécia ou Roma, dais quais só nos restaram heranças.
O Ceramista, portanto, é um pretendente a transcendência, apesar de sua discrição. Confúcio disse: “Não tenha medo da obscuridade, tenha receio da incompetência”(Lunyu, 14). Na mesma época, o Mestre admitia elogiar um de seus discípulos da seguinte maneira: “és um precioso vaso ritual” (Ibidem, 5); neste aluno, pois, se encontrava a virtude, a harmonia, e o espaço vazio que o tornava útil para alguma função.
A idéia preciosa que o artesão do barro é um construtor de saber manifestou-se, conseqüentemente, numa série de realizações fantásticas no campo da cerâmica que a criatividade chinesa implementou ao longo dos milênios. Sempre dentro o princípio da harmonia cósmica, materiais diversos foram sendo testados, até se obterem as ligas e pastas que constituíram o celadon e a porcelana. Técnicas de cozimento e redução avançadíssimas foram desenvolvidas nos chamados “fornos o dragão” - sucessão de câmaras com variações de temperatura, intensidade e espaço. O entendimento chinês sobre suas próprias descobertas (ou melhor dizendo, inferências sobre a natureza) levou-os a estabelecer classificações para nós inimagináveis - e porém, eficazes - para identificar os tipos de cerâmica. Ou como explicar, por exemplo, que a cerâmica Ci, porcelanada, tem este nome devido a sua sonoridade? Mesmo a aplicação da pasta de sílica não era feita apenas de forma técnica, mas pressupunha também uma atuação da natureza sobre a constituição da peça. “O refinamento da decoração e a arte do vidrado enchem os conhecedores de admiração. Por vezes, o vidrado castanho não cobre a vasilha totalmente; deixa ver, em camadas irregulares, aparentemente sem ordem nem intenção, o próprio material na base do objeto” (Speiser, 1969). O ápice deste refinamento encontra-se durante o período Song (960-1279), quando um artista e escritor renomado, Sun Dongpo, admite ser estas umas das exigências para identificar uma peça que se “realizou” (Ibidem). Aliás, “foi com os Song que a cerâmica chinesa alcançou uma beleza, uma elegância e um esplendor que nunca serão igualados. É certo que nenhum fim contemplativo orientou esta atividade artística, a não ser a busca refinada da beleza pura, do objeto criador do choque estético perfeito. Durante séculos, os ceramistas chineses trocaram as suas experiências, técnicas, segredos e tradições; o trabalho dos fornos, a escolha das argilas e pastas colorantes, os processos de fabrico e resfriamento foram conhecidos, aperfeiçoados e atingiram um auge jamais igualado pelos seus sucessores. As impurezas do vidrado foram utilizadas para obter cores raras, manchas interessantes, fundos esbranquiçados e difusos de singular beleza. Os artistas Song cuidaram tanto da forma como da cor, com o que obtiveram um equilíbrio e uma elegância extraordinários. A contemplação destas cerâmicas num museu é coisa maravilhosa; os brancos cremosos, ebúrneos, os azuis-celestes e turquesas, os verdes-claros furta-cores, os cinzentos opalinos, os grés negros com reflexos dourados e cinzentos chamados “penas de perdiz”, os beges, os amarelos e os vermelhos suaves formam incomparáveis jogos de luz. Outra das características da estética chinesa desta época são as suas belas e suaves cores; a discrição, a moderação e o equilíbrio foram as suas qualidades principais” (Riviere, 1979).
Por isso, pode-se afirmar seu sombra de dúvida que “Juntamente com a caligrafia e a pintura, a cerâmica constituiu a manifestação artística mais relevante do povo chinês, que teve a honra e o privilégio de saber descobrir e explorar ao máximo todas as possibilidades e segredos da argila e da sua cozedura, de tal modo que as suas produções raramente foram igualadas e, evidentemente, nunca superadas. Das mãos dos artistas e artesãos chineses saiu uma variedade extraordinária de peças que cumpriram muitas funções, desde objetos de uso doméstico e quotidiano, passando por objetos rituais e funerários até obras de puro deleite estético” (Baguena, 1998).
Manifestadores anônimos de uma estética universalista, os oleiros chineses eram, pois, caminhantes do Dao que perceberam, com graça e jocosidade, a arte de adaptar-se aos tempos e transmitir as técnicas que melhor servissem a manifestação do Princípio (Li). Não por acaso, seduziram também o europeus, que mesmo ignorantes da cultura chinesa, souberam apreciar com fervor a produção cerâmica chinesa, tentando em vão imitá-la.
Conhecedores das vias que levariam a uma “beleza suprema” - a suma busca os filósofos estéticos - esta massa anônima de agentes transformadores da matéria soube captar e vivificar no barro, com sensibilidade inaudita, o desejo do ser humano de uma harmonia possível e perfeita, o próprio Dao - que agora sabemos, habita também no humilde torno do ceramista.
Bibliografia
Notas Bibliográficas:
Confúcio, Laozi, Zhuangzi e Mêncio são do período dos séculos 6-3 a.C. De Confúcio, utilizamos o Lunyu (Analectos) e o Zhong Yong (O Justo Meio). De Laozi, o Daodejing (Tratado do Caminho e da Virtude).
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Vandermeersch, L. Wang Dao ou la voie royale. Paris: EFEO, 1977 -1980, 2 vols.
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