Quando abrimos Mão da Sabedoria

A pergunta é simples: porque um sábio nunca é reconhecido em sua época? Quase todos os sábios morrem e somente depois – às vezes, um bom tempo depois – suas boas idéias são reconhecidas. Não raro, são empregadas de modo deturpado, mas ainda assim, contribuem para a evolução da humanidade. Talvez um velho ditado explique isso: “o previdente não pensa no que vai fazer; pensa no que já está fazendo”, o que significa: o sábio antevê as calamidades e os desdobramentos das coisas, e por isso critica a situação atual, para que ela não descambe nas suas piores previsões.
É angustiante, de fato, olhar para as coisas e perceber que elas se encaminham para o precipício. Mais triste ainda é constatar que as pessoas que antes se acreditava serem boas e corretas, começam a ser tragadas, com seu próprio consentimento, para o partido das práticas obscuras e das idéias estranhas. Como nos diz o texto das Atribulações de um Magistrado no canto do Mundo: “Para os que não acreditam ter futuro, a angústia é o motor da ação. As decisões são tomadas pelas circunstâncias, e pelas aparentes possibilidades. Tudo é tomado por sorte ou azar. O agir não pode ser calculado, mas apenas feito, pelo ímpeto. O mais próximo de um plano é o que podemos chamar de “artimanha”. A crença, geral, é de que nunca há uma outra chance, e as que ocorrem são sempre as últimas e definitivas. Nada pode mudar por vontade própria”.
Disto isso, é interessante perceber que as pessoas comuns não podem reconhecer a sabedoria onde ela está. Confúcio mesmo comentou isso, uma vez:
“Zizhang perguntou: "Quando é possível dizer que um erudito alcançou uma percepção superior?" O Mestre disse: "Depende: o que entendes por 'percepção'?" Zizhang respondeu: "Ser reconhecido na vida pública, ser reconhecido na vida privada". O Mestre disse: "Isso é reconhecimento, não percepção. Para alcançar a percepção, um homem tem de ser talhado em madeira reta e amar a justiça, examinar as palavras dos homens e observar suas expressões, e ter em mente a necessidade de deferir aos outros. Quanto ao reconhecimento, basta assumir um ar de virtude, ainda que comportando-se contrariamente. Mantém apenas uma aparência imperturbável, e certamente obterás reconhecimento na vida pública, e certamente obterás reconhecimento na vida privada".
Podemos concluir, então, que reconhecimento não tem relação com a sabedoria. Pessoas idiotas e minimamente capacitadas podem ser reconhecidas, se apenas souberem disfarçar bem. O sábio, porém, que tenta pôr o mundo em ação é apedrejado, criticado, tido como louco, déspota, cruel, insano, e não raro acusado de todos os crimes que seus detratores, justamente praticam – mas afinal, não são os dissimulados, justamente, especialistas em moral, pois conhecem todos os crimes...?
Confúcio já havia percebido isso, mesmo tendo tentado participar da vida pública e política de sua época. Como ele mesmo disse: “não tema ter seus talentos não reconhecidos, tema ser incompetente”, o que significa: temos que estar cientes do que o que um sábio diz é para o futuro, no bom e mau sentido. Ele é um previdente, que intui a correlação das coisas.
Contudo, a experiência histórica mostra que as coisas demoram a acontecer. Em todos os lugares do mundo, sábios tem sido executados por dizerem a verdade, pensando no bem comum. Mesmo Hanfeizi, advogado de uma das doutrinas mais severas da China Antiga, admitia que o sincero carrega consigo o caixão debaixo do braço. Séculos depois, Shen Shuemou continuava a afirmar que “os melhores funcionários sempre acabam com uma feia peça de prosa eu os envia ao interior – uma ordem de afastamento; os piores homens obtém uma bela peça de prosa no fim de seus dias - um elogio na lápide”, o que quer dizer que, passado muito tempo, continuamos a nos atolar na bajulação e na adulação como melhores meios de subir socialmente, mas não moralmente.
Uma outra sábia frase, que pertence ao sábios ocultos antigos, diz o seguinte: “o melhor meio de não ser descoberto é não fazer nada”; ora, isso significa duas coisas: primeira, que quem faz alguma coisa, é revelado; segunda, que, se alguém faz algo e é descoberto, então, a maneira como as pessoas entendem o que ele faz diz respeito a como elas olham o mundo. Isso significa, portanto, que a maior parte das gentes quer saber de promessas mentirosas e vazias, de oportunidades falsas, e reclama quando há trabalho ou esforço envolvido. Como um sábio, em geral, promete que o mundo irá melhorar se as pessoas simplesmente se dedicarem ao óbvio – ao amor, ao trabalho e ao estudo – as pessoas comuns, em geral (e cheias de amor no coração) zelosamente irão linchá-lo ou exilá-lo (ou ambos, mesmo) para manterem suas vidas assim; o que significa, por fim, que em certas ocasiões, parece que fazer o bem e fazer nada seria o mesmo, já que o sábio nunca é descoberto.
Por outro lado, se alguém deixasse de fazer o que é correto apenas por não ver os resultados, então, o mundo não existiria como está hoje – afinal, somos resultado de séculos de dedicação anônimas, que pensaram a continuidade sem quererem retribuição – ou tiveram receio de se revelarem e serem punidas. Os sábios assumiram dizer o que pensavam, e lembrar o mundo de como ele deve funcionar. Por isso, são punidos por suas críticas, mas tempos depois, o que disseram faz sentido, e as pessoas começam a recitá-los.
Mas a civilização humana evolui; atualmente, alguns sábios já conseguiram mudar o mundo em vida – como Gandhi ou Martin Luther King – apesar de terem que pagar com suas mesmas vidas para isso. O fato, então, de que as pessoas de hoje já são capazes de perceber traços de certeza, futuro e humanismo no discurso dos sábios é um bom sinal. Mesmo assim, demoras prolongadas podem ser problemáticas ou catastróficas, mas é o risco que se corre por se querer o mundo melhor – que vida tem sentido sem querer que se a viva plenamente?

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