Do engano de si mesmo

子曰:“不憤不啟,不悱不發,舉一隅不以三隅反,則不復也。
O Mestre disse: "Esclareço apenas os entusiastas: oriento apenas os fervorosos. Depois de eu ter levantado um lado de uma questão, se o estudante não conseguir descobrir as outras três, não repito".
Lunyu (Conversas)

O que Confúcio defendia é: para quem não está interessado, o que se pode ensinar? Foi o que ele deixou bem claro quanto a Zaiyu:

Zaiyu estava dormindo durante o dia. O Mestre disse: "Madeira estragada não pode ser entalhada; paredes de esterco não podem ser rebocadas. De que serve reclamar com ele?" (Conversas)

Mas a questão que levanto é outra: como saber que alguém não está, de fato, interessado? Aliás, se Confúcio tinha a capacidade de entender os “ângulos” de um problema – tal como ele exigia dos alunos – porque ele próprio acabou sendo enganado, perseguido e expulso das terras por onde passou?

Há algo interessante ao analisarmos a questão proposta em Confúcio; se a tomarmos de um ponto de vista fanatizado, ou religioso, vamos ter que admitir que ‘o mestre não errava’, o que particularmente creio ser o pior dos erros possíveis. Acredito que as idéias de Confúcio são coerentes, e por isso acho válidas; contudo, dizer que o seu sistema é perfeito, e sua capacidade de análise é onisciente são dois enganos grotescos. O sistema de Confúcio é humano, e feito para eles; não propõe transcendências ou questões metafísicas – do que decorre que suas idéias têm um alcance limitado, mas não prometem também coisas impossíveis (embora às vezes possa parecer que a implantação da educação é algo do gênero...). Sendo humano, se destina aos humanos, e tem os mesmos como o centro de todos os problemas e soluções. De fato, todos os sistemas são humanos, mas alguns insistem em contar com forças ‘além do humano’ para concretizar-se, o que é um tanto problemático.

Este é o caso de Confúcio; ele podia ensinar o que sabia, mas o que estava além dele, ele não podia. Ele podia ensinar alguém a ser correto; mas a fazer as coisas erradas, isso é por conta do indivíduo. Ele passou sua vida toda tentando ensinar valores, virtudes e sabedoria; mas ele mesmo sabia que não podia alcançar tudo. Podemos ser ludibriados, como ocorreu com Confúcio em relação a Zaiyu ou Ranqiu; o mestre acreditou que poderia ajudá-los a modificarem a si mesmos, mas eles não quiseram. O que fazer então?

Alguém pouco inteligente poderia afirmar, por isso, que as teorias educativas ou a postura do velho chinês poderiam estar equivocadas, mas creio que não é assim, exatamente: a questão é que estaremos totalmente expostos, sempre, ao fracasso dos indivíduos em se auto-aprimorarem. O que podemos fazer, pois, é continuar tentando educar, e sempre da melhor maneira possível – ou, que da melhor maneira que pudermos. Sem derrotas para o pessimismo, mas se trata, no fundo, de se preparar as ‘puxadas de tapete’ que a vida dá. Quem quer que queira ser educador, tem que conviver com a questão que há alunos que não querem melhorar, crescer ou evoluir. Ponto final. Cada um tem seu tempo, e pode mudar ao longo de sua vida; alguns mudam de opinião, outros não, e o desejo de um educador é sempre ver suas propostas frutificarem, mas... quem disse que isso é dado ao nosso tempo de existência?

Diante do universo, o tempo de uma vida é mais breve que um suspiro.

Faz parte da sanha dos educadores, por conseqüência, estarem preparados a todo o tipo de problemas – seja com alunos ou mesmo, com colegas de profissão. Não devemos pensar que a imaturidade ou o mau-caratismo são coisas restritas aos alunos, ao contrário; muitos dos que se propõem educadores continuam a ser, na verdade, os velhos enganadores de antigamente. Os sofistas, ao menos, eram autênticos. Milhares de pessoas que foram incompetentes para gerir um comércio rentável ou um banco resolveram ser ‘professores’ ou ‘educadores’, projetando o seu velho problema com dinheiro dentro das instituições de ensino. O oportunismo, infelizmente, é um problema crônico na história.

Por isso, como está no Tratado das Mutações, 26, ‘O homem superior se põe a par dos muitos ditos da antiguidade e dos fatos do passado, de modo a fortalecer assim seu caráter’. Ao olharmos para o passado, constataremos que já está tudo lá; os bons e os maus momentos, a luta constante pelo aprimoramento humano, os grandes exemplos, as derrotas e as vitórias, e a constatação invencível de que somente a educação pode realmente levantar a humanidade de seus piores momentos. Confúcio não podia saber que seria enganado, senão ele não seria. O que ele sabia, provavelmente, é que não havia como evitar uma conspiração por parte dos ignorantes; só há como escapar dela, ou quebrá-la, quando possível.

Mas isso exige paciência. Isso exige disponibilidade e força para suportar as situações mais calamitosas, saber se retirar quando oportuno, e voltar quando necessário. Há que esperar, muitas vezes, pela evolução dos outros para se possa empreender algo. Há que se preparar, inclusive, para ser melhor quando os outros precisarem, pois mesmo um educador deve se aprimorar constantemente. É o que está no Grande Estudo: ‘renova-te, renova-te, renova-te’.

Acho que era a isso que Confúcio se referia. Temos que olhar os vários ângulos de uma questão para compreendê-la. Contudo, isso não significa que as pessoas irão concordar conosco. Aliás, muitas na verdade podem absolutamente discordar de uma proposta realmente educadora por não estarem nem um pouco interessados em educação. Elas não são capazes de compreender os outros lados porque não são capazes de vê-los, ou sequer imaginá-los.

O sábio pondera sobre as coisas, e decide o que é mais apropriado. Pode não dar certo sempre, mas é uma postura intelectual, que se traduz num modo de vida: a obstinação pelo melhor para a maioria. Mas essa é uma consideração tão complexa e profunda que escapa a muitos, e é ignorada por grande parte da multidão.

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