O rei de Chu havia encomendado um elixir da imortalidade. Quando a poção ficou pronta, foi recebida com pompa e circunstância na corte. Um oficial abusado, porém, resolveu pegá-la e tomou tudo de um gole só. O soberano ficou enfurecido e resolveu condená-lo a morte. O oficial, no entanto, replicou: “mas senhor, se a poção funcionar, o senhor não poderá me matar”. O rei respondeu: “e se você morrer?”. “Então”, disse ele, “o senhor terá sido tapeado e matará um inocente”. Sem saber o que fazer, o rei ficou quieto e deixou pra lá...
Liu Xiang
Em questão de crenças, se dá algo parecido. É mais difícil não acreditar em nada do que acreditar em algo. Mesmo assim, não acreditar em nada é uma crença de algum tipo.
Isso nos remete à velha questão do relativismo; se tudo for relativo, no campo religioso, então isso seria também relativo, havendo uma verdade? Mas se houver uma verdade, ela não provará que a crença no relativismo é verdadeira, pois até ela é relativa? Do mesmo modo, se há uma verdade, então, as coisas não são relativas, o que nos remete a condição de que a intransigência de uma crença seria uma postura autêntica.
Nossa fábula nos coloca no ponto central desse debate: a impossibilidade da constatação imediata das crenças. Se o soberano conseguisse matar – ou não – seu guarda, algo em sua crença seria decidido e afirmado. Contudo, há uma barreira moral, estabelecida pela própria crença, para provar sua veracidade.
A mesma moral que impõe uma visão de mundo ideal, cuja recompensa é a vida abençoada do outro lado, coloca o impeditivo fundamental de se conhecer o “outro lado”. Com esse receio marcante, o temor da morte determina toda uma vida em função da própria morte! E, no entanto, porque acreditar em algo que não pode ser provado ou aferido?
Assim, pois, a dúvida alimenta a moral, mais do que a certeza da vida post-mortem. Tivesse o soberano matado seu oficial, ele saberia algo – mas quem deseja fazê-lo, de modo a cair na condição de erro?
Portanto, em questões de crença, o relativismo é antes de tudo um discurso de tolerância, mais do que de respeito à diversidade das crenças. Pois, quanto às provas, ninguém as tem – exceto os médiuns, para quem os acredita.
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