Há um tempo atrás, me interessei pelas considerações de Slavoj Zizek pela ideologia, o que me motivou a escrever, inclusive, um texto sobre o assunto. Zizek parecia corajoso, e defendia algumas questões que eu particularmente acho válidas – por exemplo, de que hoje precisamos de atitudes (no sentido de uma postura moral e humana) para atuar no mundo – sem o que, seremos sempre meros marionetes das ideologias. Sim, concordo, falta atitude ao povo em geral, dissolvido nessa modernidade líquida proposta por Bauman. Zizek também fez uma curiosa análise do livro de Maozedong (Sobre a prática e a contradição), que oscilava entre o original, o perigoso e o temerário – além do cheiro de coisa podre.
Mas o tempo, a idade, a experiência ou mesmo algumas leituras a mais nos proporcionam uma certa cautela com essas coisas ‘novas’. Nada contra o novo, ao contrário; mas é sempre aconselhável examinar as coisas antes de tomá-las como a ‘mais nova teoria do momento’, como muitos pretendem que seja.
E foi aí que Zizek lançou o seu ‘Em defesa das causas perdidas’, que apela para o lado revolucionário que a ‘atitude’, como indicado antes, precisa ter para mudar o mundo. Foi aí que consolidei uma imagem dele que, particularmente, não me foi nada agradável. Ele afirma que precisamos de radicalismo nas atitudes, dizendo que autores como Heidegger, por exemplo, tiveram a atitude certa, mas enveredaram pelo caminho errado. Acho isso muito assustador; é o tipo de ressalva que se usa para justificar atitudes terríveis como fruto de um ‘contexto histórico’. Não imagino de que maneira posso justificar as vítimas de holocaustos humanos que sua perseguição é resultado de um ‘momento histórico’. Desde o mundo antigo, os massacres são abominados como excessos, depois como maldade, por fim como alguma forma de desvio comportamental. Seja lá como for, não há que se perdoar a atitude de pessoas que, em nome das utopias, massacram outros milhares. Zizek afirma que não é ‘bem assim’, mas a questão é que o precedente abre as portas para o erro. Atitudes de derrubar um poder opressor são válidas; mas estabelecer outro no lugar, são tão ruins quanto.
A questão é que Zizek propõe uma teoria intrigante para os dias de hoje, que resumirei aqui dentro do meu ponto de vista: juntar a ideologia marxista com a psicanálise. Traduzindo a grosso modo, acho que Zizek espera que retornemos (ou ingressemos) em algum tipo de comunismo em que as pessoas visarão o bem estar comum – e quando seus desvios comportamentais se fizerem presentes, impedindo-os de serem pessoas solidárias, participativas, honestas, etc., ao invés de serem expurgadas pelo regime, elas irão para um divã, onde se tratarão de modo adequado pelos princípios lacanianos.
Isso parece bacana, ainda mais que existem milhares de marxistas, psicanalistas e psicólogos sem emprego nos dias de hoje. A psicanálise tem sofrido um impacto tremendo da filosofia da mente e da neurofisiologia, que tem destruído alguns de seus conceitos básicos. Quanto ao marxismo, ele capenga em esperanças ideológicas vãs, pregadas por regimes autoritários e/ou assistencialistas que defendem o seu ‘retorno’ no mundo ocidental.
Isso ocorre porque esses grupos, no caso, estão desamparados. Eles precisam de trabalho, precisam de um Estado que vele por eles, precisam mesmo de um senhor que os proteja da ‘perversidade do mercado’. Ultimamente, muitos representantes de ambos os grupos estão acompanhando a derrocada de suas teorias ateístas para o ressurgimento de grupos religiosos fundamentalistas, cujo discurso simples é muito mais fácil de apreender do que as sutilezas do marxismo ou da ciência psi.
Nesse caso, Zizek teve mesmo que excluir a China, que para ele é uma forma de ‘capitalismo autoritário’. Pode ser. Mas a questão é que a China é o ‘anti-modelo’ dele porque prova que o socialismo marxista foi uma furada em todos os cantos do mundo. Ele serviu para equilibrar as relações de trabalho e de poder no mundo durante décadas, mas findou-se. Os chineses perceberam isso bem antes, e seus sistema político e econômico, acompanhado de boas doses de pragmatismo, soube superar as dificuldades dessa transição que se dá do socialismo ao pósconfucionismo.
Mesmo Zizek, vindo da Eslovênia, se pauta em um marxismo que não volta mais, um saudosismo dos tempos da Iugoslávia (embora ele não diga isso), quando seu ‘país’ estava unido, em paz, pela mão perturbadora e tirânica de Tito. O socialismo não conseguiu implantar a utopia da união solidária dos povos; ao contrário, é justamente na Iugoslávia que aconteceram os últimos genocídios europeus depois da 2ª guerra mundial. Que socialismo ele quer, pois? Qual modelo?
Entendo que esse marxismo que ele propõe seria, então, uma espécie de ‘novo marxismo’, supondo então que o outro ‘nunca aconteceu de fato’? Se assim o for, ele estará usando a psicanálise para completar algo que existiu ou algo que nunca existiu? No 1º caso, a coisa faria até sentido, apesar dos riscos (afinal, foi a revolução que se desvirtuou); no 2º caso, não faria sentido algum – exceto, claro, teoricamente.
Mas Zizek tem algo a seu favor: os regimes de esquerda da América Latina. Os intelectuais marxistas latinoamericanos ficaram abandonados com o fim do socialismo soviético e com a decadência cubana. Mesmo a Venezuela, que inventou o bolivarianismo, vende petróleo para o seu principal inimigo, os EUA. No entanto, algo precisava justificar essa nova onda esquerdista na América Latina; e Zizek é o autor Europeu que ratifica todas essas crenças em um novo socialismo latino. Sim, é isso mesmo que afirmo: nossos intelectuais precisavam dele para embasar suas crenças em sistemas e teorias caquéticas.
A intelectualidade latinoamericana se guia por autores importados, e nisso não vejo grandes problemas (se importamos tecnologias, alimentos, produtos, etc., porque não idéias?). Eu mesmo defendo uma teoria chinesa; contudo, nossos ‘sábios’ e ‘acadêmicos’ não se pautam em um ‘indiano, africano ou asiático’ quaisquer. Em seu complexo de dependência, a revisão marxista tem que ser feita por um Europeu, que viveu um regime marxista e que, a partir disso, retirou suas experiências para embasar seu novo socialismo. É um argumento de autoridade cultural; mas como nosso país, por exemplo, pode se firmar e conquistar uma posição de autonomia internacional se depende, ainda, de um profeta de teorias falidas?
Ainda por cima, Zizek age de uma forma que poderíamos considerar hipócrita, quando defende um marxismo no qual ele mesmo não acredita. Como ele categoricamente afirmou numa entrevista:
Que tipo de comunista ele é, enfim? Do tipo que se ‘adequa a realidade, e muda com ela?’. É uma forma de radicalismo estranho, que ao mesmo tempo se propõe defender causas humanitárias? Na mesma entrevista, ele afirma:
Por analogia, Heidegger estaria certo se fosse comunista, apoiando os gulag’s? E ainda:
Há violência sem violação de corpos ou mentes? Isso me parece uma armadilha retórica para diferenciar as violências, justificando o Stalinismo, mas negando o nazismo, por exemplo (e exonerando Heidegger de seus crimes morais e intelectuais, o que torna sua teoria algo extremamente necessitado de uma boa consulta psicanalítica). Aliás, acho que ele devia ter lido Gandhi para compreender o que seja de ‘política da NÃO VIOLÊNCIA’, entendida dentro do movimento Satyagraha (‘firmeza na verdade’).
A questão é que a teoria de Zizek releva, por outro lado, o surgimento de estados autoritários que se afirmem de ‘esquerda’, cujo monopólio da violência se diz necessário em função do ‘controle social’ e do ‘bem-estar’ público. Zizek me parece mais um escandaloso, como escrevi no texto A busca do antigo:
Seus escândalos têm atraído uma legião de fãs, que desprovidos de senso crítico, adoram propostas e idéias de ‘força’. E força contra quem? Contra o capitalismo autoritário, que ele quer substituir pelo...comunismo?
Por isso que considero as teorias de Zizek um conjunto de conversas fiadas. Aliás, ‘fiado’ é um bom termo para o caso: é algo que se leva hoje e se paga amanhã... Perigosas que são, suas teorias hão de justificar os desatinos de muitos esquerdistas em busca do poder; mas depois, inevitavelmente, elas cobrarão seu preço social e econômico, quando o excessos se revelarão através da frágil e superficial capa de bonança que esses regimes impõem. É um fiado que sairá caro.
Os caminhos são muitos; mas alguns são desastrosos.
Mas Zizek tem algo a seu favor: os regimes de esquerda da América Latina. Os intelectuais marxistas latinoamericanos ficaram abandonados com o fim do socialismo soviético e com a decadência cubana. Mesmo a Venezuela, que inventou o bolivarianismo, vende petróleo para o seu principal inimigo, os EUA. No entanto, algo precisava justificar essa nova onda esquerdista na América Latina; e Zizek é o autor Europeu que ratifica todas essas crenças em um novo socialismo latino. Sim, é isso mesmo que afirmo: nossos intelectuais precisavam dele para embasar suas crenças em sistemas e teorias caquéticas.
A intelectualidade latinoamericana se guia por autores importados, e nisso não vejo grandes problemas (se importamos tecnologias, alimentos, produtos, etc., porque não idéias?). Eu mesmo defendo uma teoria chinesa; contudo, nossos ‘sábios’ e ‘acadêmicos’ não se pautam em um ‘indiano, africano ou asiático’ quaisquer. Em seu complexo de dependência, a revisão marxista tem que ser feita por um Europeu, que viveu um regime marxista e que, a partir disso, retirou suas experiências para embasar seu novo socialismo. É um argumento de autoridade cultural; mas como nosso país, por exemplo, pode se firmar e conquistar uma posição de autonomia internacional se depende, ainda, de um profeta de teorias falidas?
Ainda por cima, Zizek age de uma forma que poderíamos considerar hipócrita, quando defende um marxismo no qual ele mesmo não acredita. Como ele categoricamente afirmou numa entrevista:
O comunismo vai vencer, como o senhor disse ao jornal inglês “The Guardian”?
ZIZEK: Ah, isso é uma provocação. Quis dizer: o comunismo vai vencer ou então estaremos todos na merda. Você tem que dizer algo assim de vez em quando para fazer as pessoas pensarem. Ainda sou um comunista, mas não um continuísta. O século XX acabou. O resultado geral do comunismo foi um fiasco. A social-democracia foi boa enquanto funcionou, mas está hoje em crise.
Em http://slavoj-zizek.blogspot.com/2011/06/slavoj-zizek-e-novidade-do-comunismo.html acessado no dia 25/06/2011
Que tipo de comunista ele é, enfim? Do tipo que se ‘adequa a realidade, e muda com ela?’. É uma forma de radicalismo estranho, que ao mesmo tempo se propõe defender causas humanitárias? Na mesma entrevista, ele afirma:
Detesto os marxistas que dizem: “Stalin traiu o verdadeiro espírito do marxismo”. Não, não se pode permitir que isso seja dito. Se as coisas deram tão terrivelmente errado com Stalin, isso significa que havia uma falha estrutural no próprio edifício de Marx. Não acredito nessa baboseira do tipo “a ideia era boa mas infelizmente foi mal realizada”.
Por analogia, Heidegger estaria certo se fosse comunista, apoiando os gulag’s? E ainda:
O senhor no entanto sugere em seu livro que as revoluções são violentas apenas quando não são de fato revolucionárias. Ou seja: quanto mais revolucionária for uma revolução, menos violenta ela será num sentido estrito. Poderia falar sobre isso?
ZIZEK: Escrevi num outro livro algo que me deu muitos problemas: eu disse, “o problema de Hitler é que ele não foi violento o bastante”. E as pessoas ficaram “aaai, você queria que ele tivesse matado todos os judeus?!” Não! Ele não foi violento o bastante nesse sentido autêntico, revolucionário, em que a violência significa transformação das relações sociais, e não tortura ou assassinato. Hitler matou milhões de judeus em nome da manutenção do sistema. O que estou dizendo é que não quero dar a Hitler sequer esse crédito, na linha “ele foi um criminoso, mas era um líder corajoso”. Não, ele não era. Nesse sentido, Mahatma Gandhi foi mais violento do que Hitler. Gandhi é sem dúvida um modelo de paz, mas nesse sentido básico ele foi violento, organizou protestos de massa com o objetivo de impedir o funcionamento do Estado colonial inglês na Índia. Isso é algo que Hitler nunca ousou fazer.
Há violência sem violação de corpos ou mentes? Isso me parece uma armadilha retórica para diferenciar as violências, justificando o Stalinismo, mas negando o nazismo, por exemplo (e exonerando Heidegger de seus crimes morais e intelectuais, o que torna sua teoria algo extremamente necessitado de uma boa consulta psicanalítica). Aliás, acho que ele devia ter lido Gandhi para compreender o que seja de ‘política da NÃO VIOLÊNCIA’, entendida dentro do movimento Satyagraha (‘firmeza na verdade’).
A questão é que a teoria de Zizek releva, por outro lado, o surgimento de estados autoritários que se afirmem de ‘esquerda’, cujo monopólio da violência se diz necessário em função do ‘controle social’ e do ‘bem-estar’ público. Zizek me parece mais um escandaloso, como escrevi no texto A busca do antigo:
Os escandalosos são os que criticam a Cultura abertamente, nela querendo se destacar, mas sem necessariamente atingir algum bem. Eles são de dois tipos: os que denunciam erros alheios, mesmo os menos importantes, para disfarçar suas incapacidades; o outro tipo é daqueles que cometem atos escandalosos para atrair a atenção, querendo assim respeito e admiração, mas para imporem sua vontade abertamente. Eles são danosos a Cultura, pois instituem a desobediência e o desregramento desprovido de razão.
Seus escândalos têm atraído uma legião de fãs, que desprovidos de senso crítico, adoram propostas e idéias de ‘força’. E força contra quem? Contra o capitalismo autoritário, que ele quer substituir pelo...comunismo?
Por isso que considero as teorias de Zizek um conjunto de conversas fiadas. Aliás, ‘fiado’ é um bom termo para o caso: é algo que se leva hoje e se paga amanhã... Perigosas que são, suas teorias hão de justificar os desatinos de muitos esquerdistas em busca do poder; mas depois, inevitavelmente, elas cobrarão seu preço social e econômico, quando o excessos se revelarão através da frágil e superficial capa de bonança que esses regimes impõem. É um fiado que sairá caro.
Os caminhos são muitos; mas alguns são desastrosos.
A observação da história segue, igualmente, o princípio do yin e do yang. Ao vivermos numa época boa, olhamos para o passado como algo ruim e atrasado; quando vivemos uma época de desordem, enxergamos o passado como uma época boa. O sábio enxerga as épocas como elas são, por meio de seus princípios. Por esta razão Confúcio sabia que vivia numa época de desordem, e seu discurso se dirige a reconstrução da ordem e da harmonia. Ele não invoca o passado par dar exemplos; ele clama pelos exemplos do passado, que são manifestações dos princípios, para ilustrar as atitudes corretas e a compreensão correta das coisas. Já os tolos se guiam pelas aparências, acreditando no que um tempo lhe diz, e criam suas impressões sobre o passado sem qualquer fundamento. (Tratado sobre o Espírito da História)
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