O que ainda não está formado pode formar-se; e o que já está pode mudar. Como poderia a natureza humana permanecer imutável uma vez formada? Portanto, ao cultivar sua natureza, o sábio sempre se acomoda as circunstâncias para conduzir as coisas, mas tão pouco as deixa em seu curso espontâneo, o que quer dizer que ao selecionar o bom, há que buscar o melhor do melhor, e que ao defender o justo, há que manter-se livre de todo o vacilo, ao invés de relaxar e se deixar levar pelas comodidades e prazeres. (Wang Fuzhi, 1619 +1692)
Confúcio afirmava que o que transforma uma pessoa em ser humano é a Cultura. São os costumes, as tradições e os conhecimentos acumulados (禮Li, também chamados ‘Rituais’) que inserem alguém no mundo humano, afastando-o da animalidade e de uma vida inconsciente. Essa é a grande mutação que se instala na vida humana, derivada do elemento fundamental que articula a continuidade da cultura, que é o estudo e a educação. Por essa razão, ainda que séculos depois, Wang Fuzhi se coloca junto a Confúcio contra o domínio do acaso, e afirma que no curso de uma existência devemos continuamente estudar, sem nos deixar levar pelas comodidades de um bom emprego, uma situação estável ou a impressão de durabilidade da matéria. Esse é o mundo da mutação, e o estudo nos prepara para acompanhá-lo em suas transformações e tendências.
Assim sendo, mudança, auto-aperfeiçoamento, capacidade, talento, tudo isso depende de uma postura de estudo que coloca o ser humano numa posição única na natureza, a de poder transformar-se. Diferente dos outros animais, a humanidade é um processo contínuo de construção e reflexão, no qual o avanço depende unicamente da vontade íntima de aperfeiçoar-se.
O coração* do homem está em constante reflexão dia ou noite. Ainda que seja capaz de discorrer sobre os mais variados assuntos, com o que – senão com o coração – ele conta para conhecer as leis que regem a natureza? [...] O talento nasce diariamente porque se o utiliza, e o pensamento é inesgotável para quem pensa [idem] *coração=mente
Então, quem é o ignorante, o limitado? É aquele que se abandona as circunstâncias, e que deixa de lado a necessidade do estudo. Estudar é tão natural e biológico ao ser humano quanto qualquer outro processo fisiológico sobre o qual ele pretenda qualquer tipo de controle. É o que a analogia de Daizhen propõe de modo apropriado:
Uma criança recém nascida morre se não comer; e permanece estúpida se não aprender. Ora, todos sabem que a alimentação mínima a sustenta, e que uma boa alimentação a faz crescer e a torna forte; do mesmo modo, se ela aprende cedo e cultiva boas qualidades morais, ela dominará amplos conhecimentos e se tornará um sábio. Em ambos os casos, pois, a razão é a mesma. (Daizhen, 1723 +1777)
Então, quem é o estúpido? É alguém que passa fome porque deseja, que se compraz em sua limitação, que não visa simplesmente o óbvio: melhorar a si mesmo:
Estúpido é aquele que não conhece a verdade das coisas por conta de suas limitações. Só o estudo pode remediar essa deficiência e transformar um estúpido em inteligente. [idem]
Pois Daizhen aponta, de modo indubitável, o que estrutura a mudança humana: é sua capacidade mental, que criou a cultura como um meio de estender nossa sobrevivência e superar nossas limitações. Quando alguém se entrega então a sua limitação individual, o que pode ele pretender para a sua vida, senão o acidente?
O que caracteriza o homem é sua capacidade mental, capaz de conhecer as coisas. É com essa capacidade, não importando o nível, que o homem distingue as coisas; e de estúpido, pode tornar-se alguém inteligente. [idem]
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