Meu desejo é um país em que as pessoas tenham bons empregos, tempo para o descanso merecido, sejam bem educadas, em que não haja ladrões e malfeitores, os velhos tenham sossego e conforto, os jovens possam ser livres e amar, e os amigos sejam sinceros e leais, sem interesses ocultos.
Confúcio, no Liji
Zapotzu leu esse texto numa reunião de intelectuais, tentando explicar o que era o projeto confucionista de uma sociedade harmoniosa, onde Ren – o humanismo – prevalecesse.
Um ouvinte caminhante objetou;
- esse mundo não existe. O ideal é retornar a natureza original, viver em harmonia plena com o Dao, desprendendo-se de tudo.
Outro ouvinte, legista, também criticou o texto;
- isso é sonho. O mundo é mau. Boa apenas é a lei. Mas sem controle e pulso firme, as pessoas degeneram. Não há essa sociedade ideal.
Zapotzu ponderou as opiniões de ambos e respondeu:
- o que é retornar a natureza original? Grunhir, comer comida crua abatida com as próprias mãos, dormir ao relento, andar nu? Perdoe-me, já ouvi falar do discurso da natureza original, mas nunca vi alguém praticá-lo. É relativamente fácil ser mendigo quando há quem dê esmola, ou comer pouco quando há fartura de comida; mas nunca vi um asceta pelado, sem usar qualquer roupa, e não acredito em eremitas que todos saibam ser um eremita. Sobre ser desprendido ou simples, isso pode ser aprendido; são valores humanos, que o próprio Confúcio propôs e ensinou. Já quanto ao mundo ser mau e corrupto, ouvi falar de povos que vêem maus exemplos e fraquejam; mas a maior parte das pessoas trabalha, sofre e se submete sem buscar o mau. Quando o exemplo é bom, as pessoas desabrocham, a economia frutifica e a maldade é inibida. Ora, se o errado se inibe simplesmente porque as pessoas aprenderam a apreciar o correto, então, um sistema violento, que depende de leis duras para existir, provavelmente esconde muitas coisas erradas e excessos de capricho pessoal. Só há liberdade com ordem, mas não há liberdade com repressão. Só há simplicidade e desprendimento com trabalho, mas não há nada quando só existe a inércia. Viver de modo simples quando os outros o sustentam é vagabundagem e comodidade, não naturalidade.
Do que concluo, pois, que os pensamentos de vocês também são utópicos; e utopias por utopias, prefiro a de Confúcio, então, que é boa e quer o bem para todos. Me parece, contudo, que se eu sair na rua agora e perguntar o que as pessoas querem, na sua mais rústica ignorância, elas responderão algo parecido com o que o mestre propôs; não era ele, então a voz do povo?
Comentário do Sábio-que-dormia: “quando é o número que importa, dizem que o povo é sábio; mas quando um populista corrupto não consegue aprovação para suas trapaças, chama o povo de burro. Um povo é espelho de sua educação. Ele pede o que precisa, e busca o que lhe ensinaram. Contudo, ainda que pouco educados, os povos do mundo tendem muito mais a serem calmos do que violentos. As guerras são feitas pelos políticos, não pelos populares. A humanidade nasce em busca do bem, e é isso que a torna humana. Confúcio estava certo; as pessoas só querem trabalho honesto e um pouco de sossego despreocupado. São os chefes das nações que fazem confusão; eles deveriam ser os mais bem preparados e instruídos, mas e no geral, são os mais incompetentes e improdutivos que buscam posições de destaque. Substitua-os e tudo irá bem. Eis porque parece que a afirmação de Confúcio é uma utopia, mas não é. Zapotzu sabe disso também".
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