Mozi foi um dos grandes críticos do Confucionismo, tendo vivido, provavelmente, em torno do século V - IV a.C. Uma série de indicações nos permite supor que Mozi deve ter estudado os mesmo clássicos que Confúcio, chegando a conclusões diametralmente opostas, porém, daquelas apresentadas pela Escola dos Letrados. Acredita-se que essa diferença de interpretação tenha vindo da condição social de Mozi, muito mais próxima da plebe do que da fidalguia Zhou (Joppert, 1979: 102-103).
Este autor era um pregador retórico contundente, como seu texto mostra.Tinha uma relutância profunda para com o confucionismo, que considerava uma ideologia de elite. Mozi era antes de tudo um defensor das causas populares, e via na estrutura política da Dinastia Zhou um sistema corrompido, injusto, criado em torno dos interesses das classes altas. Sua capacidade de perceber a realidade, de forma pragmática, levou-o a conclusão de que o mundo não precisava de governantes distantes do povo, já que o mesmo povo é quem produzia o sustento da sociedade, e, por conseguinte, a grande estrutura oficial (administradores, funcionários, etc) formava apenas um grupo de parasitas que se alimentavam do esforço alheio. Desta forma, a única inspiração correta, para ele, provinha do Céu, que tratava todos como iguais e não via distinção na atribuição de benesses (MO, 4). Sua proposta de amor universal tornava literalmente iguais todas as pessoas, sem diferenças de classe, cor, sexo, raça, etc., e por isso, era importante que o povo se unisse para poder administrar, de forma independente, sua própria vida (MO, 15, 16).
Poderíamos dizer que Mozi chegava – de forma análoga, obviamente - bem perto do ideal marxista-comunista, já que conseguia compreender que a estrutura sobre a qual a sociedade funciona estava calcada no trabalho dos populares (ou talvez, proletariado?). Diante disso, se as classes baixas soubessem se unir, elas não mais dependeriam da interferência das elites para organizar a produção e a distribuição dos bens comuns, findando com a desigualdade, a exploração, e fomentando o surgimento de uma sociedade mais equânime e justa. Por isso mesmo Mozi combatia a cultura da elite, e por conseqüência, aqueles que ele considerava serem a maior expressão da mesma, os confucionistas (MO, 39), que ao seu ver defendiam concepções de pensamento que não permitiriam, ao povo, enxergar suas potencialidades.
Embora pacifistas, os moístas também se uniram para defender cidades ameaçadas por pilhagens, pela bandidagem e por governantes corruptos, tornando-se eficientes generais na defesa das causas populares (MO, 17, 18).
Este atraente sistema de pensamento nos possibilita perceber que Mozi já havia compreendido a realidade das desigualdades sociais, colocando o problema da cultura como um dos grandes impedimentos ideológicos para a construção da tão procurada harmonia universal (tal como outros autores já haviam proposto, igualmente). No entanto, sua crença consistia em buscar a saída possível para estes problemas na criação de um novo sistema, independente das velhas estruturas, que não mais desse espaço ao surgimento das hierarquias e à concentração de poder em mãos individuais. Mozi era um grande estimulador das estruturas comunitárias, defendendo a liberdade de seus integrantes na administração de seus negócios públicos desde que houvesse, por parte dos mesmos, um comprometimento constante na ajuda dos menos favorecidos de outros lugares (os famintos, os camponeses arruinados por pestes, secas, os pobres, etc) (MO, 15, 16 e 26).
A proposta de Mozi, porém, não soube compreender a força das estruturas mentais na hora em que se processam as mudanças sociais. A cultura não é um elemento autônomo que fraciona as classes de forma independente: ela vincula-se a ação dos indivíduos, e, grande parte das vezes, nas classes populares a ideologia se reproduz de forma intensa, incutindo na mente destes a impossibilidade de se mudar um regime ou um sistema. Além disso, a pregação moísta não reconhecia o valor desta mesma cultura para processar alterações no imaginário e na ideologia social. Assim, a crítica dirigida à sociedade Zhou é quase uma contradição, pois desse mesmo contexto que ele, Mozi, surgiu, e disso derivava sua proposta revolucionária. Era compreensível sua raiva contra as estruturas opressoras da época, que lançavam o povo a miséria; mas talvez ele tenha exagerado no seu combate contra o sistema cultural. Sua percepção de que a ideologia era vinculada pela literatura, pelos rituais e pela religião era bastante precisa e perspicaz: mas há que nos perguntarmos se destruí-la, por completo, asseguraria a efetividade de um novo sistema. Mozi não levou em conta a ambição humana. Mesmo nas comunidades que adotaram suas idéias, surgiram pessoas que, fosse por fraqueza de espírito, fosse por pura e simples discordância, acabaram por efetuar os mesmos processos de concentração de poder e riqueza que ele tanto havia combatido.
Mozi depositava no Céu, e na fé, suas esperanças de modificar a sociedade (MO, 26, 27 e 28). Poucos foram, porém, os que puderam continuar dando ensejo à sua proposta após sua morte. As crenças moístas nos demonstram que a noção de igualdade é uma recorrência comum entre as sociedades oprimidas, principalmente no seio das classes populares, onde a insatisfação campeia contra a desigualdade, e que clama por justiça. Mas o questionamento que fica é: será que a humanidade estaria preparada para uma sociedade de amor universal, igualitária, ou esta seria uma utopia, já que a tendência natural do ser seria o individualismo?
Se pensarmos do ponto de vista chinês, veremos que nada disso seria impossível, mas dependeria da vinculação de vários elementos, tais como a mediação individual, o estudo, a compreensão da natureza, políticas de compaixão, etc...Valores presentes em todas as outras escolas que apresentamos até aqui, mas cada qual com um entendimento sobre o que isso significaria.
Bibliografia Indicada:
MO = Livro de Mozi (Modi)
CHAN W. T. Sourcebook in Chinese Philosophy. Princeton: PUP, 1963.
CHENG, A. Historia del pensamiento chino. Madrid: Bellaterra, 2003.
GRANET, M. O pensamento Chinês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
JOPPERT, R. O Alicerce Cultural da China. Rio de Janeiro: Avenir, 1979.
MOZI. The ethical and political works of Motse. London: Probsthain, 1929. trad. Y. P. Mei
MOZI. Mo tzu: Basic writings. Columbia: CUP, 1963. trad. B. Watson.
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