A Investigação sobre as Abominações Celestiais

a investigação sobre as abominações celestiais





André bueno
2009







Introdução

A investigação sobre as abominações celestiais se trata de um exame sobre as passagens de Confúcio, contidas em seus diálogos (lunyu), em que o Mestre nos alerta sobre os erros mais comuns gerados pelo excesso ou pela ausência em que se incorre na prática das coisas cotidianas. O centro desta investigação reside na questão de que estas falhas, decorrentes de uma percepção errada sobre a humanidade (ren), se tornam vícios cruéis, anomalias sociais terríveis, tormentos individuais infindáveis, gerando uma longa cadeia de acidentes, disputas e abandono da razão que tanto assediam e prejudicam a humanidade desde os tempos antigos. Por esta razão elas são abominações celestiais; o céu as abomina, pois elas vão contra a ordem natural das coisas, e o desenvolvimento fértil e construtivo do ser humano.

Se estas falhas partem do ser humano, elas pré-existem nele, portanto, em seu princípio? É inevitável ao humano falhar? Se a natureza do ser humano contivesse o erro, ele não criaria leis, princípios, costumes e pensamentos que pudessem preservar seu mundo. É da natureza humana construir, mais do que destruir; assim, o que vêm de dentro do ser humano é a fonte do construtivo, e o que desagrega é gerado pelo acidente, provocado pela ignorância e pela dispersão das propensões individuais. Ao nascer, estamos próximos do estado selvagem; a educação nos insere no mundo, e quanto melhor ela for, menos selvagens seremos; logo, incorreremos em menos erros de excesso ou ausência, e faremos o que é apropriado.

Apesar de todos os grandes conflitos que se abateram sobre a humanidade, o desejo de uma existência ideal sustenta o mundo, mesmo fora da terra do centro do mundo. O combate as abominações celestiais é, assim, uma constante neste ser humano que, mesmo falível, tende a buscar o que é correto.




a investigação





O Mestre disse: "conversa inteligente e modos afetados raramente são sinais de bondade".
Há dois modos de ser ignorante: um é espontâneo, e resulta da falta de conhecimento, estudo, e da rudeza da vida. Esse pode ser corrigido. O segundo tipo, porém, é bem pior; são aqueles que, para manter seus desejos vis, se utilizam do estudo e do conhecimento para disfarçar suas reais intenções; não lêem uma linha sequer dos sábios com vistas ao aprimoramento pessoal, mas sim, visando um modo de superar aos outros e conseguir uma boa posição. Em contato com outras pessoas, demonstram afetação e arrogância, entendendo erradamente que possui algum tipo de superioridade. Pessoas assim podem enganar muitos, mas nunca o sábio - ou mesmo, apenas um humilde conhecedor de certo assunto, que compreende que suas palavras são vazias e suas intenções, obscuras. Apenas os tolos se enganam com palavras bonitas, promessas fáceis e aparência distinta - mas como há tolos no mundo!


Mestre zeng disse: "examino a mim mesmo três vezes por dia. ao intervir em favor dos outros, fui digno de confiança? na relação com meus amigos, fui leal? pratiquei o que aprendi?"
Confiança, lealdade e sinceridade: estes são três valores fundamentais para um sábio. Ele é leal com suas promessas, tenta cumprir ao máximos suas promessas e compromissos, e busca sempre dizer a verdade. Infelizmente, porém, há aqueles cujo significado da palavra confiança significa "oportunidade"; a lealdade significa "ocasião"; e a sinceridade significa "dissimulação". Estas pessoas crêem que para alcançar altas posições na vida suas alianças devem ser temporárias, e servem apenas ao seu interesse imediato. Em geral, estes perdem tudo ao fim: pois até entre os bandidos há confiança lealdade e sinceridade. Mas é costume das pessoas se incomodarem com as verdades, quando estas lhe são mostradas.


O Mestre disse: "um cavalheiro destituído de gravidade não tem autoridade e seu estudo será sempre superficial. um cavalheiro coloca a lealdade e a fidelidade acima de tudo; não se alia aos moralmente inferiores. quando comete uma falta, não hesita em retificar sua conduta".
Ao longo da vida, podemos nos enganar com as aparências, com os discursos afáveis e com posturas supostamente agradáveis e interessadas. Ao nos enganarmos, não devemos lamentar o fato de termos sido confiantes ou leais, pois esta é uma atitude natural de quem procura ser um sábio humanista. A confiança, a lealdade e a sinceridade são concedidas aqueles que nos parecem merecedores, mas o erro é uma condição impossível de ser afastada de qualquer vivência humana, e mesmo O Mestre Confúcio teve discípulos dissimulados. Não corrigir o erro, porém, é uma falta grave, e permitir sua continuidade, um ato de insensatez. Por essas razões é que o sábio pode perdoar, mas ele continua ressabiado como dissimulado. As provas sempre serão mais duras para aqueles que incidem na traição da confiança e da lealdade.


O Mestre disse: "os trezentos poemas resumem-se numa única frase: 'não penses no mal'".
Confúcio foi bem claro: evite fazer o mal, praticar o mal ou conceber o mal. infelizmente, muitos são os que deixam os desejos ruins tomarem conta de sua mente, e dão vazão, assim, as estratégias que planejam assiduamente para alcançar suas ambições desmedidas. As duas soluções para isso são a educação e a punição. Por isso Guanzi disse: eduque as crianças para não punir os adultos; o tratado das mutações disse: a base da liberdade humana é a restrição íntima; e Confúcio disse: o aprimoramento íntimo é o caminho (dao).


O Mestre disse: "guia-o por meio de manobras políticas, contém-no com castigos: o povo se tornará dissimulado e desavergonhado. guia-o pela virtude, contém-no pelo ritual: ele desenvolverá um senso de vergonha e um senso de participação".
Aqueles que se julgam espertos governam por meio de intrigas, e punem os inocentes por pequenas coisas; como podem ser benquistos assim? Num governo desses, as pessoas aprendem a fazer intrigas, e se ater aos detalhes insignificantes. Só existem bajuladores, atrás de oportunidades e ganhos pessoais. A catástrofe de um governo desses é que nada frutifica, os bons se sentem desestimulados e injustiçados, e nunca há união. Um bom governo, porém, estimula os bons, corrige apenas os erros, dissemina a educação, a responsabilidade e a virtude. Quando isso ocorre, ele praticamente não governa; deixa as coisas acontecerem, e elas seguem um bom curso, pois as pessoas sabem o que devem fazer, e o fazem.


O Mestre disse: "descobre por que um homem age, observa como ele age e examina onde ele encontra sua paz. haverá algo que ele ainda possa esconder?"
É fácil criticar alguém: difícil é estar em sua posição. Os modos de alguém, examinados com atenção, dizem o que ele é. Por esta razão, se buscamos sabedoria e, ao sondarmos a humanidade, encontraremos sábios e ignorantes; mas se simplesmente formos ignorantes, só encontraremos inimigos e concorrentes.


Zigong perguntou sobre o verdadeiro cavalheiro. O Mestre disse: "ele prega apenas o que pratica".
É absolutamente incompreensível, para os ignorantes, que alguém acredite em fazer simplesmente aquilo que acredita e sabe. o parvo sempre acha que sabe mais do que sabe, vive em contradição, e sempre espera que os outros abonem seus erros.


O Mestre disse: "o cavalheiro considera mais o todo do que as partes. o homem pequeno considera mais as partes do que o todo".
Um sábio é reconhecido por pensar no grupo, nos outros, na sociedade, no país, no que está fora. Mesmo num lugar ermo, distante ou pequeno, ele prepara seus discípulos para conhecer e enfrentar o mundo, e não espera com isso construir para si uma escola, uma teoria ou simplesmente a fama. O ignorante busca para si o contrário: ele deseja ser o rei do que é pequeno, e por esta razão, se atém a coisas pequenas: não corrige os erros graves, mas apenas os detalhes; não transmite conhecimento, mas cria dependentes; almeja somente a fama para si, ainda que permaneça desconhecido; busca atrelar o destino dos outros ao de si mesmo, e deseja conquistar algum poder com isso. Não há pessoa grande que não seja lembrada, mesmo tendo sido rude ou incompreendida; e não há tolo que não seja lembrado pela sua incompetência ou ambição despropositada.


O Mestre disse: "estudar sem pensar é fútil. pensar sem estudar é perigoso".
Eis o grande aviso do Mestre Confúcio: o estudo deve servir ao aprimoramento pessoal, podendo levar uma sociedade, assim, ao enriquecimento absoluto de suas partes. Mas os falsos pensadores usam do estudo para suas pretensões fúteis e enganosas; quanto aos ignorantes que não estudam, estes são perigosos, pois crêem que o mundo lhes foi dado pronto, mas não sabem utilizá-lo da maneira correta. Sua forma de vida é desarmoniosa com o céu; seus interesses são violentos e egoístas. Somente a educação completa pode ajudar alguém assim; mas esse alguém tem que desejar, igualmente, aprimorar a si mesmo.


O Mestre disse: "atacar uma questão pelo lado errado - isso é de fato danoso".
Quando há uma dúvida, ela deve ser investigada de modo correto. Em geral, os pretensos sábios nunca admitem que não sabem algo, e estão dispostos a discutir avidamente aquilo que não sabem. Diante de uma pergunta, respondem outra coisa; desviam o assunto, invocam outros temas, ou apelam para o drama sentimental, o humor barato ou o radicalismo intransigente para vencer uma discussão, mesmo sem ter razão. Para os ignorantes, essa é uma vitória: para os sábios, isso não significa nada, senão a danosa ignorância em ação. O sábio, porém, se preocupa com as questões que envolvem a sociedade, e em momentos de crise, ele intervém, buscando ajudar numa solução adequada. Feliz daqueles que ouvem seus sábios, infelizes os que riem na mais completa ignorância.


O Mestre disse: "zilu, vou ensinar-te o que é o conhecimento. Tomar o que sabes pelo que sabes, e o que não sabes pelo que não sabes, isso é conhecimento".
Um sábio sabe o que sabe e o que não sabe; isso é tão fácil de admitir, e mostra o quanto podemos ainda aprender!!! Um ignorante nunca admite isso, pois acredita que isso prejudica sua fama ou posição. Eis porque, desde o alto de um grande estado, até na mais indignas das ocupações humanas, ainda se discute se deve fazer as coisas de um modo ou de outro, pensando no jeito, mas não no objetivo. Isso disfarça a fraqueza dos projetos e a imbecilidade de sua execução, mas mascara os reais culpados de suas concepções errôneas.


O Mestre disse: "com um homem que não fosse confiável, eu não saberia o que fazer. como poderias puxar uma carroça sem uma canga ou uma carruagem sem as varas?"
A confiança é um sentimento, pelo qual se reconhece o valor de alguém. Conhecendo as propensões desse alguém, sabemos o que se pode ou não se fazer junto com ele, ou que missões lhe atribuir, ou o que dele esperar. Da confiança pode nascer a amizade. Não se pode, porém, confiar em diplomas, títulos, palavras doces ou roupas bonitas: elas dizem muito pouco sobre as capacidades reais e o caráter de uma pessoa.


O Mestre disse: "um cavalheiro evita competições. mas, se for preciso competir, que seja no tiro de arco. então, se ele se inclinar e trocar gentilezas antes da disputa e durante as comemorações que se seguem, continuará sendo um cavalheiro mesmo numa competição".
Confúcio buscou aqui explicar que os sábios não competem entre si, mas sim, ponderam sobre a melhor maneira de ajudar ao todo. Somente os tolos se incomodam e invejam os sábios, buscando minar seu trabalho e alcançar a fama, mesmo que isso custe a destruição de um bom projeto. A competição, para eles, não é uma medida de habilidades, na qual se reconhece os próprios erros ou deficiências; a competição é uma condição da existência, já que os sábios são um estorvo para seus interesses mesquinhos.


Sacrifício implica presença. Dever-se-iam fazer sacrifícios aos deuses como se eles estivessem presentes. O Mestre disse: "se eu não faço o sacrifício com todo o meu coração, não deveria fazer sacrifícios".
Só se deve ir a uma comemoração se as pessoas compartilham de sua felicidade e dos mesmos interesses saudáveis; só se deve ir a um ritual se se compartilha as crenças; só se deve ir a um funeral se se compartilha as tristezas. Do contrário, qualquer ato diferente desses é a mais pura falsidade e desfaçatez: quem pode agir, então, dessa maneira?


O oficial responsável pela fronteira em yi pediu uma entrevista com Confúcio. Ele disse: "toda vez que um cavalheiro chega a este lugar, peço para vê-lo". Os discípulos conseguiram uma entrevista. Quando esta terminou o oficial lhes disse: "senhores, não se preocupem com a demissão dele. o mundo está sem o caminho já há muito tempo. o céu irá servir-se de seu Mestre para tocar o sinal de alarme".
Um dos maiores males da humanidade é que, muitas vezes, o erro está lá, presente; o sábio o denuncia, mas ninguém lhe dá importância. Muitas vezes, a melhor forma de se resolver um problema está clara, mas ninguém deseja vê-la, e assim, não escutam o sábio. Este é um mal da ignorância, e nada pode ser feito quando ela domina de modo obscuro e materialista a mente da maioria. Se o sábio for ouvido, isso indica que sua presença foi notada, e a situação geral está em vias de melhorar; mas se não lhe derem atenção, então, o próprio encaminhamento das coisas resolverá a questão por si mesma, enquanto o sábio orará para os espíritos, desejando estar enganado e esperando que, mesmo contra a razão, o céu se compadeça de suas criaturas.


O Mestre disse: "é belo viver cercado de humanidade. escolher um local de moradia destituído de humanidade é muito pouco sábio".
Sábios retirados não são retirados, senão, não saberíamos onde eles estão escondidos. O sábio vive com o mundo, pelo mundo e para o mundo. que outra razão verdadeira há, em ser humano, senão em buscar e praticar a própria humanidade? Neste caso, as razões de um tolo não nos têm serventia; mas se estamos aqui, hoje, é porque os antigos nunca desistiram da humanidade.


O Mestre disse: "um homem sem humanidade não poderia viver por muito tempo na adversidade nem poderia conhecer a alegria por muito tempo. um homem bom se apóia em sua humanidade, um homem sábio beneficia-se de sua humanidade".
Alguns dizem: a vida é triste, só existem momentos de felicidade. Ora, qual é o fundamento que torna tal afirmação verdadeira? Não há: visto deste modo, poderíamos igualmente afirmar que a vida é feliz, e que só existem momentos de tristeza. Por esta razão, os tolos estão sempre infelizes, porque nunca tem tudo o que desejam; quanto ao sábio, ele está insatisfeito com o que sabe, mas ele consegue de adaptar em qualquer lugar; pois onde há seres humanos, há humanidade, e nela, o sábio encontrará o seu refúgio.


O Mestre disse: "somente um homem bom pode amar as pessoas e pode odiar as pessoas".
Os ignorantes somente amam o proveito, e odeiam a todos. Eles vêem as pessoas apenas como obstáculos ou apoios para a consolidação de seus desejos e posições; por estas razões, o sábio ama quase todo mundo, mas odeia os tolos mal intencionados, que põem em prática seus planos de conquista. Afinal, estes optaram por serem ignorantes decididos, e não obstante, procuram espalhar seu mal para os outros. Isso é inadmissível; como se pode amar alguém assim?


O Mestre disse: "a vontade de alcançar a humanidade não deixa lugar para o mal".
Quem ama a humanidade deseja o bem indistintamente. Nunca o sábio recusa a educação para quem quer que seja, e mesmo O Mestre Confúcio trocava suas aulas por uma refeição. Isso significa que todos podem se aprimorar e seguir o caminho da sabedoria. Maus, de fato, são aqueles que, mesmo sabendo do caminho da sabedoria, decidem abandoná-lo e usar seus conhecimentos com propósitos egoístas. É sobre estes que o sábio pensa, unicamente, o mal.


O Mestre disse: "riqueza e posição é o que todo homem almeja; no entanto, se a única maneira de obtê-lo contraria seus princípios, ele deveria desistir de tal objetivo. pobreza e obscuridade são o que todo homem detesta; no entanto, se a única maneira de escapar delas contraria seus princípios, ele deveria aceitar sua sina. se um cavalheiro abandona a humanidade, como poderá construir um nome para si? nunca, nem por um momento, um cavalheiro se afasta da humanidade; ele se agarra a ela em meio às provações, ele se agarra a ela em meio às tribulações".
O poder que conquista riqueza atrai violência, cobiça, roubo e falsidade. Com ele se perde a liberdade. o sábio deseja para si apenas o que é correto e humano; o resto é conseqüência de seus atos. Eis porque alguns dos grandes líderes da antiguidade se vestiam, no dia-a-dia, de modo simples; comiam com seus soldados e funcionários, tinham amigos sinceros e impertinentes, gostavam de seu trabalho íntimo e encaravam o poder de decidir sobre os outros um fardo cruel, administrado com um cuidado imenso e severo.


O Mestre disse: "jamais vi um homem que verdadeiramente amasse a bondade e odiasse o mal. quem ama verdadeiramente a bondade nunca poria nada acima dela; quem odeia verdadeiramente o mal praticaria a bondade de tal forma que nenhum mal pudesse penetrar nele. haverá alguém que tenha dedicado todas as suas forças à bondade durante um único dia? ninguém nunca o fez e, no entanto, não foi por falta de forças - pode ser que haja pessoas que não tenham nem a pequena quantidade de força que isso exige, mas nunca conheci nenhuma".
Há o certo, há o errado? Só para aqueles que têm dúvidas. A dúvida porém, é o princípio da sabedoria, a busca de resposta, o caminho. O ignorante sempre acha que sabe o que está fazendo, o sábio calcula os riscos e espera o melhor resultado para todos. Ficar no caminho correto significa buscar sempre este melhor para a humanidade, sem ter pretensões ocultas ou pessoais - isto é o que falta a maior parte das pessoas, segundo o Mestre.


O Mestre disse: "tuas faltas te definem. é precisamente pelas tuas faltas que podemos conhecer tuas qualidades".
Existem dois modos de errar: o primeiro, é aquele no qual cometemos um erro por equívoco, por melhor que sejam nossas intenções e planos. Quando isso ocorre, o sábio reconhece seus erros e busca consertá-los, assumindo os riscos do que empreendeu. O segundo tipo de erro não depende do sábio: ele ocorre quando alguém faz tudo corretamente, mas a sociedade corrompida entende isso como um erro, uma aspiração utópica sem valia. Um sábio não deve se importar com isso, e fazer o que é necessário. Se todo o seu trabalho for inútil, tem a liberdade de abandonar esta sociedade, e ir em busca de outra que esteja pronta para seus conselhos.


O Mestre disse: "um erudito coloca seu coração no caminho; se ele se envergonha de suas roupas surradas e de seu alimento modesto, ele não merece ser escutado".
As pessoas tendem a crer que um bom professor é aquele que anda bem vestido, tem posses, e se apresenta de modo elegante. Elas esquecem que o ser humano nasce nu, e como tal, suas vestes são apenas embalagens. Para ser sábio, é necessário apenas o desejo de estudar e de praticar a humanidade; isso pode ser feito pelos mais humildes, de roupas surradas e aparência ruim, mas cuja inteligência sempre desconheceremos, se não as interrogarmos. Aqueles que crêem poder medir o sucesso de um Mestre pela sua aparência são pobres de espírito e de desejos.


O Mestre disse: "nos assuntos do mundo, um cavalheiro não preferências: ele assume o lado da justiça".
O sábio ouve as partes, examina os fundamentos, pondera sobre o tema e decide o que é mais apropriado. Ele não busca atender de modo conveniente as vontades das partes; ele somente decide e aplica o que é correto, de acordo com o contexto.


O Mestre disse: "um cavalheiro busca a virtude; um homem pequeno busca terra. um cavalheiro busca justiça; um homem pequeno busca vantagens".
Está claro: o ganho de posses deve ser uma conseqüência de um trabalho honesto e despretensioso; aquele que busca avidamente a riqueza provoca, em geral, a desigualdade, a tensão e a violência. Por isso o sábio, comumente, não se preocupa com riquezas, mas em ter o que precisa pra fazer o bem para a humanidade. O ignorante, porém, só vê o lucro para si mesmo, e por isso termina fatalmente se pondo em conflito com outros.


O Mestre disse: "quem age considerando apenas seus próprios interesses, desperta muito ressentimento".
A conseqüência geral das ações ambiciosas dos tolos é, justamente, a disputa violenta, o conflito desmedido e a corrupção dos propósitos e dos atos. Que se saiba: o ignorante ganha muitos falsos amigos com seus atos, e muitos verdadeiros inimigos.


O Mestre disse: "se conseguimos governar o país observando o ritual e demonstrando deferência, nada mais há para ser dito. se não conseguimos governar o país observando o ritual e demonstrando deferência, qual a utilidade do ritual?"
Quando a lei é justa, deve ser aplicada e seguida; mas hoje, as pessoas vivem de tolerar regras injustas e ludibriar as leis corretas. Como um governo assim pode esperar continuar funcionando?


O Mestre disse: "não te preocupes se não tens uma posição; preocupa-te caso não mereças uma posição. não te preocupes se não fores famoso; preocupa-te caso não mereças ser famoso".
O talento de uma pessoa não é medido, necessariamente, pelo cargo que ocupa; muitos imbecis são favorecidos por outros que tem com eles algum tipo de compromisso ou relação próxima. Enquanto isso, muitas pessoas capazes estão nas sombras. Não tema, portanto, ser desconhecido; apenas, em ser incapaz.


O Mestre disse: "shen, minha doutrina é percorrida por um único fio". Mestre zeng shen respondeu: "de fato".
O Mestre saiu. Os outros discípulos perguntaram: "o que ele quis dizer?" Mestre zeng disse: "a doutrina do Mestre é: lealdade e reciprocidade, e isto é tudo".

Ser leal de coração, e não por interesses ocasionais; reciprocidade como serviço a humanidade, e não como troca de favores. Na teoria, a maior parte das pessoas sabe disso; na prática, poucos o fazem. Isso não significa que estes valores são teóricos: sua prática, ainda que feita de modo desagregado e sem governo, é o que sustenta o mundo, mesmo que muitos só a alcancem parcialmente.


O Mestre disse: "um cavalheiro considera o que é justo; um homem pequeno considera o que é vantajoso".
O que é justo é o que é apropriado e vantajoso para o todo; o vantajoso, para o pequeno, é o inapropriado e o que não é justo para a maioria.


O Mestre disse: "os antigos relutavam em falar, temendo a vergonha caso seus feitos não equivalessem a suas palavras".
Os tolos falam demais ou nada falam, e em ambos os casos, o fazem para fingir sabedoria. o sábio simplesmente fala quando é necessário ou questionado; e se ele não sabe, ele diz, simplesmente, "não sei", assumindo suas limitações. Por isso seu receio é não poder saber mais, sempre.


O Mestre disse: "um cavalheiro deveria ser lento no falar e pronto no agir".
Quem busca a sabedoria se angustia com os problemas alheios, e de pronto se mobiliza para ajudar os que precisam. Quem só busca fama fala bastante, planeja muito, aparece em vários lugares, mas seus resultados são pífios e serem para pouca coisa de fato.


Zai yu estava dormindo durante o dia. O Mestre disse: "madeira estragada não pode ser entalhada; paredes de esterco não podem ser rebocadas. de que serve admoestá-lo? houve um tempo em que eu ouvia o que as pessoas diziam e acreditava que elas iriam agir em conformidade, mas agora ouço o que dizem e observo o que fazem. foi zai yu quem me fez mudar".
Esta é uma das passagens mais belas do Mestre, e trata de uma das principais abominações celestiais: as pessoas não são o que se propõe ser, e se disfarçam uma vida inteira com vista de seus propósitos ocultos e mesquinhos. Podemos estimular a educação, mas quem se educa são as próprias pessoas. Não se pode modificar a cabeça de alguém pela força, mas sim, estimulá-la pelo exemplo. Mas se alguém não se deseja mudar, para que perder tempo com ele? A vida segue seu curso, e nossa capacidade de intercessão é limitada. Pode-se mostrar o caminho, mas não forçar alguém a seguí-lo. Atenhamo-nos, sempre a sabedoria.


O Mestre disse: "jamais vi um homem que fosse realmente constante". Alguém respondeu: "shen cheng?" O Mestre disse: "shen cheng é dirigido por seus desejos. como poderia ele ser considerado constante?"
Há dois tipos de ser humano: o que se controla para alcançar a humanidade verdadeira, e o que apenas utiliza da inteligência humana para satisfazer seus desejos selvagens. O primeiro alcança a paz interior, e seu desassossego é sincero e bom; o segundo vive em tormento íntimo, e sua angústia vil só o atormenta e traz angústias aos que estão ao seu redor.


O Mestre disse: "quem disse que Weisheng gao era correto? quando alguém lhe pediu vinagre, ele foi esmolá-lo na porta vizinha e ofereceu-o como se fosse seu".
Um dos piores crimes é a desfaçatez, feita por aqueles que se julgam inteligentes: utilizar o esforço alheio e tomá-lo como seu, buscando oportunidades e promoção. Isso só funciona em ocasiões limitadas, mas um dia, posto diante de uma armadilha, ou de uma situação que exige o verdadeiro conhecimento, o tolo é revelado.


O Mestre disse: "fala solta, afetação e subserviência - zuoqiu ming desprezava tudo isso e eu também desprezo. ser amigo de um homem de quem nos ressentimos em segredo - zuoqiu ming desprezava isso, e eu também desprezo".
Bajuladores e fingidos; apenas um tolo se compraz com eles.


O Mestre disse: "ai de mim, nunca vi um homem capaz de reconhecer suas próprias faltas e expô-las ao tribunal de seu coração".
O tolo só assume erros que não o prejudiquem, e distribui as verdadeiras culpas entre seus subalternos ou associados. O sábio assume o que foi feito por si,e isso lhe basta.


O Mestre disse: "numa aldeia de dez casas, decerto encontrarás pessoas tão leais e confiáveis quanto eu, mas não encontrarás um homem que goste tanto quanto eu de aprender".
Em todas as épocas, muitas pessoas acreditaram que o melhor caminho é o mais fácil, e que estudar é um desperdício. Um país cujos governantes permitem que sua educação seja fraca, que seja feita de números e não de qualidades, este estará perdido, ou sempre em posição de subserviência. Quem verdadeiramente estuda sempre encontrará o mundo que precisa dele.


Ran yong perguntou sobre zisang bosi. O Mestre disse: "seus modos condescendentes são bastante corretos". ran yong disse: "ser exigente consigo mesmo mas condescendente com o povo é aceitável. ser condescendente consigo mesmo e condescendente com o povo seria frouxidão demais. estou certo?" O Mestre disse: "estás certo".
Quando um governo é frouxo, mesmo tendo leis boas, ele estará fadado a intriga, a falsidade e ao fracasso; quando um governo é bom, mesmo que ele tenha leis ruins, ele as reforma e administra o povo da melhor maneira possível. O melhor modo de se governar, porém, é simplesmente fazer valer o que está escrito. Quem acredita que pode retirar poder de negociar as leis, fatalmente estará exposto a mesma condição, e um dia a justiça chegará por meio da injustiça.


Gongxi chi foi enviado em missão a qi. O Mestre ran qiu requisitou uma ajuda em grãos para a mãe de gongxi. O Mestre disse: "dá-lhe um pote cheio". ran qiu pediu mais. O Mestre disse: "dá-lhe uma medida". O Mestre ran qiu deu-lhe cem vezes mais. O Mestre disse: "gongxi chi está viajando para qi com magníficos cavalos e peles finas. sempre ouvi dizer que um cavalheiro socorre os necessitados e não torna os ricos ainda mais ricos".
Quem ajuda humanamente, não faz distinção das pessoas, mas busca as causas justas e os realmente necessitados; os tolos só ajudam para angariar simpatia, trocar favores e criar dependentes.


Yuan xian tornou-se o camareiro de Confúcio e ofereceram-lhe uma bonificação de novecentas medidas de grãos, mas ele declinou. O Mestre disse: "não faças isso! podes dá-lo ao povo de teu vilarejo".
Recusar responsabilidades não é humildade; aceitar todos os encargos não é humildade; a humildade consiste em fazer, seja o que for, com a intenção apropriada e humanística, e recusar quando não for capaz de cumpri-la.


Ran qiu disse: "não é que eu não goste do caminho do Mestre, mas não tenho a força para segui-lo". O Mestre disse: "quem não tem a força pode sempre desistir no meio do caminho. mas tu desistes antes de começar".
De todas as fraquezas, a pior é a de caráter, de espírito. As pessoas buscam justificativas para falhar, mas nunca buscam meios para conseguir. estas serão sempre dependentes dos outros, e estarão fadadas a inconstância dos humores alheios e do acaso no curso da vida.


O Mestre disse a zixia: "sê um homem culto nobre, não um pedante vulgar".
Estude para se aprimorar; estude para ajudar; ensine a quem busca conhecimento; ensine o que sabe; não se preocupe com a fama, e busque somente o retorno do sucesso ou fracassos dos alunos, de modo a observar e ponderar sobre seus próprios métodos. Qualquer outra forma de agir, diferente desta é pedantismo.


O Mestre disse: "quem sairia de uma casa sem usar a porta? por que as pessoas insistem em andar fora do caminho?"
A verdadeira indignação estupefaciente é: porque as pessoas simplesmente não fazem o que tem que fazer? Deve se estudar para aprender, trabalhar para conquistar méritos e uma posição, e se esforçar para se superar. Mas as pessoas esperam, em geral, serem aprovadas por piedade, conquistarem posições por concessão ou clemência, e que adquiriam alguma distinção sem qualquer esforço próprio. Como se pode aprender a dirigir um barco sem ir para o mar? Como se pode querer ser pensador sem pensar? Quem confiaria em um médico que não estudou medicina? Quem age desta forma engana a si mesmo de um tal modo que, mesmo que saiba que está errado, continua procedendo desta maneira, errando duas vezes.

O Mestre disse: "quando a natureza prevalece sobre a cultura, obténs um selvagem; quando a cultura prevalece sobre a natureza, obténs um pedante. quando natureza e cultura estão em equilíbrio, obténs um cavalheiro".
Os que dizem "sou formado na escola da vida", são ignorantes que não assumem suas limitações, e não se livram de suas aspirações selvagens; aqueles que aspiram "saber sobre tudo" são pedantes, cuja cultura serve somente aos seus desejos vis. Aquele que concilia suas necessidades naturais e o aprendizado da cultura, que sabe conduzir os dois lados de sua personalidade de modo harmonioso, que pondera sobre as questões levando em conta as experiências do aprendizado (xue) e da vivência (zhi), este age do modo correto.


O Mestre disse: "um homem sobrevive graças à sua integridade. se ele sobrevive sem isso, é pura sorte".
Quando sé é um sábio, mesmo que esteja em desgraça, se reconhece sua sabedoria, e isso o protege; de outro modo, o curso dos acontecimentos se governa sempre pelo acaso, pela oportunidade e pela astúcia presunçosa.


O Mestre disse: "podes explicar coisas superiores a pessoas médias; não podes explicar coisas superiores a pessoas inferiores".
O aprendizado é sempre gradual. Não é possível explicar coisas profundas para pessoas superficiais ou com pouco conhecimento. Para os que desejam aprender, deve se utilizar exemplos simples e acessíveis; com os parvos, a conversa sempre será difícil, desgastante e sem propósito.


O Mestre disse: "fracassar no cultivo do poder moral, fracassar na exploração do que aprendi, ser incapaz de defender o que sei ser o correto, ser incapaz de reformar o que não é bom - são estas as minhas preocupações".
A verdadeira preocupação do sábio é não ser bom o suficiente para servir aos outros.


O Mestre disse: "esclareço apenas os entusiastas: oriento apenas os fervorosos. depois de eu ter levantado um lado de uma questão, se o estudante não conseguir descobrir as outras três, não repito".
Quando lecionamos, alguns aprendem de imediato; muitos precisam de exemplos suplementares, para compreender; outros ainda pedem ajuda de modo interessado, e devem ser atendidos. Alguns, no entanto, não entendem o que lhes és explicado, e nem buscam saber do que se trata. Que não se perca tempo com eles, porque nada pode ser feito por eles se eles não fazem por si próprios.


O Mestre disse a yan hui: "aparecer quando necessário e esconder-se quando dispensável - somente tu e eu conseguimos fazer isso".
O verdadeiro sábio atua nas sombras. Aparece quando convocado, ajuda quando necessário, e desaparece quando todo o resto vai bem. Não há verdadeira paz ou sossego quando há fama.


O Mestre disse: "mesmo que tenhas apenas grãos ordinários como alimento, água para beber e teu braço dobrado como travesseiro, ainda podes ser feliz. riquezas e honrarias sem justiça são para mim como nuvens passageiras".
Quanto mais se tem, menos podemos nos mover. Nossa liberdade diminui na proporção das coisas que temos que cuidar. Temos que protegê-las dos bandidos e dos interesseiros. O sábio está livre, pois só tem para levar, consigo, o seu conhecimento - e quem o sabe, traz junto a felicidade de viver.


O Mestre nunca falava de: milagres; violência; desordens; espíritos.
Os pobres de espírito, os pequenos e os ignorantes se regojizam com a desgraça alheia, se comprazem com as dificuldades dos outros, e se atém a espiritualidades superficiais, que justificam este mundo terrível de atrocidades e os "protegem" do mal por meio de bênçãos obscuras e exclusivistas. Por esta razão que Confúcio desprezava estas coisas: o mundo tem mais paz do que violência, mas as pessoas não querem ver isso; tem mais gente trabalhando do que desordem; mais descobertas que milagres; e mistérios mais profundos que falsas promessas de redenção. Um sábio se afasta dessas conversas, e só as aborda por necessidade de ação ou esclarecimento.


O Mestre disse: "um santo, não posso ter esperança de encontrar. ficaria feliz se pudesse ao menos encontrar um cavalheiro".
O Mestre aparece quando o discípulo está pronto, pois quem busca verdadeiramente saber termina, em algum momento, encontrando orientação. Mas quando estaremos prontos? Por isso, devemos sempre estudar, e quanto maior for a meta, mais devemos saber para estarmos prontos - mas quando o Mestre surgirá, isso não nos cabe saber.


O Mestre disse: "um homem perfeito, não posso ter esperança de encontrar. ficaria feliz se pudesse ao menos encontrar um homem de princípios. quando o nada passa por ser algo, o vazio passa por ser plenitude e a penúria passa por ser prosperidade, é difícil ter princípios".
Quando falsos Mestres passam por sábios, quando discursos vazios passam por cultura e esclarecimento, há uma crise geral de valores, e é difícil encontrar pessoas corretas ou que não estejam intimidades pela obscuridade.


O Mestre disse: "talvez existam pessoas que consigam agir sem conhecimento, mas não sou uma delas. ouvir muito, selecionar o melhor e segui-lo; ver muito e manter um registro disso: esse ainda é o melhor substituto para o conhecimento inato".
Algumas pessoas encontram mais facilmente suas propensões naturais, e demonstram um grande potencial para o que fazem; isso não lhes servirá, porém, se não estudarem. Aquele a quem o conhecimento vem pelo estudo tem duas vantagens: a de compreender como adquirir o conhecimento, e a de possuir o verdadeiro conhecimento com mérito.


O povo de huxiang era surdo a todo ensinamento, mas um menino veio visitar O Mestre. os discípulos estavam perplexos. O Mestre disse: "aprovar sua visita não significa aprovar as outras coisas que ele faz. por que ser tão meticuloso? quando um homem se limpa antes de uma visita, apreciamos sua limpeza, não endossamos seu passado ou seu futuro".
Ter um livro em mãos ou estar numa escola não significa aprendizado. O verdadeiro estudo vem dos momentos em que o discípulo, sequioso de aprender, estuda fora do horário de aula, e pesquisa não por causa dos exames, mas porque deseja apenas ir mais longe e saber mais. Posar junto a um Mestre não significa ser sábio, assim como andar com alguém rico não torna uma pessoa igualmente rica ou bem sucedida no trabalho.


O Mestre disse: "a bondade encontra-se fora de alcance? enquanto eu ansiar por bondade, a bondade estará à mão".
Busque a humanidade e ela poderá ser encontrada. Do contrário, como se pode achar bondade no mundo com uma atitude pessimista?


Wuma qi contou isso a Confúcio. O Mestre disse: "sou realmente um homem de sorte: toda vez que cometo um erro, há sempre alguém para percebê-lo".
Essa é uma das sinas do sábio: qualquer coisa que ele faça é reconhecida hipocritamente como um erro por aqueles que desejam seu fracasso. Para uma pessoa desejosa de aprimoramento, isso é uma boa ajuda: mostra tanto o que o sábio faz de si mesmo quanto o que os outros são. A intriga, a inveja e o ciúme são os principais delatores dos ignorantes.


Quando o Mestre estava cantando acompanhado, se alguém cantasse uma peça de que gostava, ele sempre lhe pedia para repeti-la e depois cantava junto.
Os que se incomodam demais com a música e pedem silêncio são aqueles que não suportam o clamor das vozes de sua própria consciência, cujo rancor, a culpa, e os desejos mundanos corroem sua existência; os que ouvem música alto demais não apreciam a música em si, mas apenas a ocasião de desregramento, e tentam calar sua mente pela inconsciência. O sábio ouve música de modo gentil; nem tão baixo, a ponto de desmerecê-la, nem tão alto, a ponto de impor sua presença; ele canta junto, pois aprecia o seu sentido e forma; acompanha os que estão felizes em sua cantoria; e busca sempre a parceria de gosto, que é parte da amizade.


O Mestre disse: "meu zelo é tão forte quanto o de qualquer pessoa; mas ainda não consegui viver de maneira nobre".
Ninguém deve se recriminar por não ser perfeito; deve, porém, tentar ser o melhor possível, sempre. Os que se acham perfeitos tem problemas sérios de entendimento, pois não compreendem que suas limitações são a medida de suas análises, e assim, acreditam no que fazem como perfeito e analisam os outros pela mesma regra.


O Mestre disse: "não reivindico a sabedoria ou a perfeição humana - como ousaria? contudo, meu objetivo permanece imutável e nunca me canso de ensinar as pessoas". gongxi chi disse: "isso é precisamente o que nós, discípulos, não conseguimos alcançar".
Muitos esperam a perfeição do Mestre, como se este não fosse humano. O Mestre é o único que, na busca da humanidade, concebe o que é apropriado, mas sabe ele próprio que é passível de erro por ser, justamente, humano. Por esta razão, o desejo de um Mestre é que seus alunos o superem, vão além de seu conhecimento, e sejam maiores ainda em sabedoria. É isso que, muitas vezes, o próprio discípulo não consegue conceber.


O Mestre disse: "a opulência pode levar à arrogância; a frugalidade pode levar à parcimônia. sê antes parcimonioso que arrogante".
Quem acha que uma boa roupa torna alguém um bom Mestre está enganado; roupas se desgastam e vão embora. Será assim o conhecimento dos tolos? Um sábio é um sábio, mesmo de cuecas.


O Mestre disse: "um cavalheiro é condescendente e livre; um homem vulgar é sempre tenso e desassossegado".
Já foi dito: o tolo está sempre em busca de uma oportunidade, sempre está criando confusão e por isso nunca está tranqüilo, já que nunca está satisfeito. o sábio se incomoda com o que não sabe, mas não com o que não tem. Por isso ele é generoso, compartilha seus bens com os amigos, nada acumula que não seja para o bem comum e não se preocupa com disputas.


O Mestre disse: "podes fazer as pessoas seguirem o caminho, não podes fazer com que o compreendam".
Para que ensinar para quem não quer aprender? O desejo de que todos sejam iguais é uma ilusão: a humanidade real, que nos torna humanos de fato, é o princípio de ser humano (li) que nos torna capazes de aprender, nos dá propensões especiais e nos possibilita a auto-realização. Mas, depende do indivíduo querer aprender, se aprimorar, e se realizar. Com o que não quer, o que se pode fazer? O caminho está aberto a todos, senão, não seria o caminho - mas segui-lo é uma opção, uma condição da própria natureza.


O Mestre disse: "um homem pode ter os esplêndidos talentos do duque de zhou, mas se ele é arrogante e egoísta, todos os seus méritos não valem nada".
De nada adianta ser talentoso, se esta habilidade não for desenvolvida, ou se for usada com fins egoístas ou prejudiciais aos outros. Músicos, artistas, pensadores e guerreiros se perderam por causa de seus excessos particulares. A propensão manifesta e descoberta é o caminho mais fácil para a auto-realização, mas não é garantia deste sucesso, se não for conduzida de modo apropriado.


O Mestre disse: "é difícil encontrar homem que estude por três anos sem pensar em nenhum momento em sua carreira".
Não é errado pensar num meio de subsistir, pois esta é uma necessidade social e humana; mas o ser humano precisa de um motivo para existir, precisa descobrir sua propensão para se realizar. o melhor trabalho é aquele ligado ao que se gosta de fazer, a habilidade natural do indivíduo. Como disse O Mestre: descubra um trabalho do qual goste e não precisará trabalhar um dia sequer em toda vida.


O Mestre disse: "preserva a fidelidade, ama o aprender, defende o bom caminho com a tua vida. não entres em nenhum país que seja instável: não residas num país que esteja tumultuado. destaca-te num mundo que segue o caminho; esconde-te quando o mundo se afasta do caminho. num país em que o caminho prevalece, é vergonhoso permanecer pobre e obscuro; num país que se afastou do caminho, é vergonhoso tornar-se rico e honrado".
O sábio deve ser cauteloso ao assumir uma missão: por maior que seja o seu desejo de mudar o mundo, se um povo não enxerga o caminho, ele perderá seu tempo. O melhor sempre é estar onde o caminho se faz presente, e onde a harmonia é uma possibilidade.


O Mestre disse: "não discutas os assuntos políticos de um cargo que não seja o teu".
Seja o melhor no que faz, e faça o melhor que pode, sempre. Saiba os limites e as necessidades de suas atribuições, e esteja pronto a explanar sobre suas atividades. Um erro grave, típico do ignorante, é o de desejar opinar, saber ou se imiscuir em outras funções, projetos ou cargos. Não se deve criticar o que não se compreende, não se deve tentar influenciar o que não é de sua alçada. Mas, em caso contrário, deve-se estar pronto a defender os pontos de vista daquilo que se sabe e faz.


O Mestre disse: "impetuosas, mas insinceras; ignorantes, mas imprudentes; ingênuas, mas não confiáveis - tais pessoas realmente escapam à minha compreensão".
Porque as pessoas são tão fracas de caráter, a ponto de ter não acreditar no futuro, de aproveitar somente a ocasião sem medir as conseqüências, de quererem estar do lado mais forte, mesmo sabendo que ele está errado? Falsidade, fraqueza e subserviência são os atributos dos ignorantes que, se sentindo incapazes de modificar suas próprias vidas, aceitam o julgo de outros tolos. Como alguém pode acreditar que terá sua vida facilitada sendo explorado por outro? Mas acreditam, e isso é incompreensível mesmo para o sábio.


O Mestre raramente falava de proveito, ou destino, ou das pessoas comuns.
Se alguém acredita que sua vida é regida por forças além de sua compreensão, que abandone então sua inteligência e sua força, e se deixe guiar pelas circunstâncias. Um sábio não fica discutindo "oportunidades incríveis de ganho", nem acredita que tudo está escrito, e muito menos se preocupa em sondar levianamente a vida dos outros. Ele escolhe o caminho mais simples, antigo e seguro para viver: o estudo.


Um homem de daxiang disse: "vosso Confúcio é realmente grande! com sua vasta erudição, ele ainda não conseguiu sobressair em nenhum campo em particular". O Mestre soube disso e disse aos seus discípulos: "que habilidade deveria eu cultivar? talvez a arte da condução de carruagens? talvez a arte do arco e flecha? está bem, dedicar-me-ei à arte de conduzir carruagens".
Os tolos sempre esperam que um sábio dê respostas mágicas, faça coisas incríveis para provar seu conhecimento ou tenha poderes especiais. Um sábio não é um prestidigitador, nem um feiticeiro. Curiosamente, porém, às vezes ele dá uma resposta correta, ou faz algo apropriado, e os tolos vêem isso como um milagre. O sábio é aquele que torna o óbvio compreensível por todos, mas as pessoas comuns não sabem isso. Eis a razão da ironia de Confúcio: se alguém acredita que para ser grande precisa fazer algo especial, então, que o faça. Muitas vezes, o que se consegue, apenas, é ser grande entre os pequenos. Por esta razão é que Confúcio nunca se tornou o melhor condutor de carros da china - do que isso serviria para as outras coisas?


O Mestre evitava absolutamente quatro coisas: extravagância, dogmatismo, teimosia, presunção.
O extravagante é um falso; o dogmático é extravagante limitado; o teimoso é um dogmático arrogante; o presunçoso, um teimoso atrevido.


O Mestre encontrava-se à margem de um rio e disse: "tudo flui assim, sem cessar, dia e noite".
O céu tem seu ritmo; estar em harmonia com este ritmo é sabedoria; para alcançar a sabedoria, deve-se estudar; estudando, se compreendem estas coisas e as colocamos em prática. Quem acredita que as coisas são iguais, desde sempre, esquece que hoje é diferente de ontem. Isso é tão óbvio!


O Mestre disse: "nunca vi ninguém que amasse a virtude tanto quanto o sexo".
Os tolos fazem tudo que fazem para satisfazer seus instintos baixos; o sábio busca conhecimento, e nele, as virtudes. O sexo deveria ser a conseqüência de um bom encontro, e não o propósito em si. Quanto tempo o tolo trabalha, e maldiz sua vida, apenas para poder folgar um pouco! Quanto ao sábio, ele gosta do que faz, e por isso, sua dedicação não tem outros propósitos senão o próprio conhecimento. Isso não é compreensível para os ignorantes, que acreditam que todos agem igual pelas mesmas razões mesquinhas. Para o sábio, as coisas boas da vida vêm, simplesmente, como resultado de sua conduta.


O Mestre disse: "é como a construção de um túmulo: se paras antes do último cesto de terra, ele permanece para sempre inacabado. é como o aterro de uma vala: uma vez que jogaste o primeiro cesto, basta continuar a fim de progredir".
Não existe nada que não possa ser aprendido; só existe falta de vontade de continuar na senda.


O Mestre disse: "dever-se-ia olhar os jovens com admiração: como saber se a próxima geração não se equiparará à presente? se contudo, com a idade de quarenta ou cinqüenta, um homem não construiu um nome para si, ele já não merece ser levado a sério".
A juventude é o momento da inquietação, da dúvida, da busca. É o ápice da energia (qi), mas sem sabedoria. Os que passam dessa fase viram adultos, estão sem qi e sem sabedoria, estes então desperdiçaram seu tempo e suas oportunidades de busca.


O Mestre disse: "como poderiam palavras admonitórias deixar de obter nossa aquiescência? o principal deveria ser, porém, a retificação de nossa conduta. como poderiam palavras elogiosas deixar de nos agradar? o principal deveria ser, porém, a compreensão de sua intenção. Algumas pessoas demonstram agrado, mas nenhuma compreensão, ou elas aquiescem sem retificar seus hábitos - realmente não sei o que fazer com elas".
O sábio dá os conselhos, as pessoas os praticam segundo sua conveniência. Então, porque pedem conselhos? Os sábios orientam, e muitas pessoas se vangloriam disso, mas não põe em prática o que ouviram. Porque acreditam, então, que são sábias?


O Mestre disse: "pode-se despojar um exército de seu comandante; mas não se pode privar o homem mais humilde de suas escolhas".
As pessoas obedecem aos chefes, mas seguem por vontade os líderes. Um exército pode ter chefes, mas as pessoas admiram os que têm carisma, os verdadeiros líderes, sejam eles chefes ou não. Isso ocorre porque sempre, em última instância, as pessoas podem escolher, elas têm o poder de decidir sobre o que acham ser melhor para si mesmas.


O Mestre disse: "há pessoas com quem se pode compartilhar informações, mas não compartilhar o caminho. há pessoas com quem se pode compartilhar o caminho, mas não compartilhar um compromisso. Há pessoas com quem se pode compartilhar um compromisso, mas não compartilhar conselhos".
Um sábio compreende o que pode compartilhar ou não com quem está conversando. Cada pessoa alcança um nível diferente de entendimento sobre certos assuntos, e o apropriado é aceitar estes limites. Contudo, um sábio pode sempre instigar, de modo gentil e cuidadoso, um pouco de dúvida estimulante.


O Mestre disse: "suas opiniões são sensatas, concordo; mas é ele um cavalheiro ou trata-se apenas de um solene fingimento?"
Um bom discurso não torna alguém uma pessoa correta. Ao por em prática suas palavras é que uma pessoa mostra se sua sensatez é real ou apenas fingimento.


Zizhang perguntou como acumular poder moral e como reconhecer a incoerência emocional. O Mestre disse: "coloca a lealdade e a fé acima de tudo, e segue a justiça. É assim que se acumula poder moral. quando se ama alguém, deseja-se que viva; quando se odeia alguém, deseja-se que morra. agora, se desejares simultaneamente que a pessoa viva e que morra, este é um exemplo de incoerência".
Não se pode tolerar, admirar ou amar o que não é bom. ser intransigente com o que é ruim é, simplesmente, a atitude natural do sábio. Se alguém é condescendente com o que é inapropriado, como então pode se afirmar sábio? Isso é incoerente.


O Mestre disse: "posso julgar processos judiciais tão bem quanto qualquer um. mas eu preferiria tornar os processos judiciais desnecessários".
Quanto menos leis um povo tem, maior é sua humanidade. Quanto mais leis tiverem, isso significa que o povo está se perdendo, não busca a sabedoria, a corrupção ganha espaço, as pessoas não dialogam, os governantes não tolhem o mal, e negociam seu poder das concessões, e não da aplicação da lei. Uma boa educação afasta o crime, incita as pessoas a ponderação e a moderação, faz o povo amar os professores e respeitar os policiais. Melhor seria, então, um mundo em que as disputas se resolvem em bons termos; ou mesmo, que não houvesse disputas. Embora ainda estejamos longe disso, o projeto da educação tem sustentado o mundo, e deve continuar a ser posto em prática.


Mestre zeng disse: "um cavalheiro reúne amigos por meio de sua cultura; e com esses amigos ele desenvolve sua humanidade".
Os amigos são a redenção da busca pelo conhecimento. O sábio agrega em torno de si os verdadeiros amigos, aqueles cujos propósitos são os mesmos que os seus. Círculos assim podem mudar o mundo. As regras da amizade são a lealdade, a sinceridade, e busca de saber.


O Mestre disse: "ele é reto: as coisas funcionam por si mesmas, sem que ele tenha de transmitir ordens. ele não é reto: tem de multiplicar as ordens, que de qualquer modo não serão seguidas".
Um governante cujos propósitos são claros, que segue a lei, repudia as intrigas, não negocia vantagens, este afasta todo o mal de si, bloqueia os aliados perigosos e faz as coisas andarem sozinhas. O governante que faz o contrário e se confunde em mentiras, este não assenta seu poder, perde amigos e aliados verdadeiros, cede ao mal e no final, estará trancado em seus aposentos dando ordem para suas mobílias, que também não obedecerão - suprema humilhação!


O duque ding perguntou: "existe alguma máxima que garanta a prosperidade de um país?" Confúcio respondeu: "meras palavras não conseguiriam realizar isso. existe, contudo, o seguinte ditado: 'é difícil ser um príncipe, não é fácil ser um súdito'. uma máxima que pudesse fazer o dirigente compreender a dificuldade de sua tarefa ajudaria a garantir a prosperidade do país".
Saiba um governante das dificuldades de seus súditos, e compreenderá a autoridade que estes têm sobre as coisas cotidianas. Ele deixará seu trono para arregaçar as mangas e arar a terra; ele caminhará para saber das necessidades, e não para dar ordens; ele ajudará, ao invés de punir; e será amado e respeitado, ao invés de temido e odiado.


"Existe alguma máxima que possa arruinar um país?"
Confúcio respondeu: "meras palavras não conseguiriam fazer isso. contudo, existe o seguinte ditado: 'o único prazer de ser príncipe é nunca ser contradito'. se estiveres certo e ninguém te contradisser, tudo estará bem; mas se estiveres errado e ninguém te contradisser - não é este o caso de uma única máxima que pode arruinar um país?"
Alguém que impõe medo, que recusa sugestões ou críticas, este está fadado ao fracasso, pois é surdo aos amigos, e cerca-se de bajuladores, fraudulentos e mentirosos. Este nunca saberá a verdade, e desconhecerá os fundamentos da crise, pois desconhece a si mesmo.


O Mestre disse: "se, para me associar, eu não conseguisse encontrar pessoas que propusessem um meio-termo, contentar-me-ia com os loucos e os puros. os loucos ousam fazer qualquer coisa, ao passo que existem coisas que os puros nunca farão".
Novamente o Mestre usa da ironia para ilustrar a busca do caminho. O vulgo, em geral, é hipócrita, pois prega uma coisa e faz outra. Defende a aparência, mas não busca conhecer o sentido; ignora o todo, e visa somente sua parte. Caso não se encontre pessoas que façam diferente, que nos associemos, então, aos doidos ou aos verdadeiros fanáticos; uns estão dispostos a tudo, os outros, se recusarão a qualquer crime contra suas consciências -não seriam ambos, pois, completamente verdadeiros em seus propósitos?


O Mestre disse: "as pessoas do sul têm um ditado: 'um homem sem constância não seria apropriado para ser um xamã'. que grande verdade!"
Mesmo um curandeiro precisa de sapiência e conhecimento. Como se pode criticar alguém a quem se recorre em horas difíceis?


O Mestre disse: "um cavalheiro busca harmonia, mas não conformidade. um homem vulgar busca conformidade, mas não harmonia".
Harmonizar-se com o mundo é diferente de conformar-se. Harmonizar-se é agir no mundo de modo a fazer valer suas opiniões sensatas de maneira apropriada, sem perder seu caráter ou desviar-se do caminho, mas aceitando as conformidades do contexto, e projetando a mudança de acordo com as circunstâncias; conformar-se é aceitar a imposição de valores alheios ao seu caráter, abrindo mão de sua individualidade, aceitando o erro como regra e tornando-se parte de uma conduta inapropriada, sem um desejo de mudar o que está equivocado.


Zigong perguntou: "o que pensaríeis de um homem se todas as pessoas de seu vilarejo gostassem dele?" O Mestre disse: "isso não basta". - "e se todas as pessoas do vilarejo não gostassem dele?" - "isso não basta. seria melhor se as pessoas boas do vilarejo gostassem dele, e as pessoas más não gostassem dele".
Se uma pessoa é odiada por todos, desconfie: até mesmo um bandido por ter uma ou outra virtude. Se uma pessoa é amada por todos, desconfie ainda mais; nem todos os deuses são uma unanimidade entre os fiéis. O justo é aquele que é admirado por alguns por suas virtudes, e odiado por outros pela mesma razão.


O Mestre disse: "é fácil trabalhar para um cavalheiro, mas não é fácil contentá-lo. tenta contentá-lo por meios imorais, e ele não ficará contente; mas ele nunca exige nada que esteja além de tuas capacidades. Não é fácil trabalhar para um homem vulgar, mas é fácil contentá-lo. Tenta contentá-lo, mesmo por meios imorais, e ele ficará contente; mas suas exigências não têm limites".
Um sábio exige de seu discípulo sinceridade no estudo, lealdade no trato, e dedicação íntima. Isso qualquer um pode fazer. Os tolos, porém, acreditam que é mais fácil agradar um Mestre com bajulação, presentes e fofocas alheias. Isso pode funcionar com outro tolo, mas não com um sábio.


O Mestre disse: "um cavalheiro demonstra autoridade, mas não arrogância. um homem vulgar demonstra arrogância, mas não autoridade".
Ousadia é um atributo do sábio; o atrevimento, do ignorante. O sábio faz e fala de acordo com o que sabe; o ignorante fala demais, faz de menos, mas crê estar no caminho certo. Só a denuncia de seu erro pode iluminá-lo.


O Mestre disse. "firmeza, resolução, simplicidade, silêncio - isso nos aproxima da humanidade".
Busque ser correto; seja firme nesta busca; seja frugal em sua firmeza; e aja de modo discreto, já que a busca é íntima. Em breve, descobriremos a humanidade em si mesmo e nos outros.


"Quem se livrou da ambição, do orgulho, do ressentimento e da cobiça alcançou a plena humanidade?" O Mestre disse: "alcançou algo muito difícil; se isso é a plena humanidade, não sei".
Não fazer o inapropriado é uma conquista pessoal; mas agir pelo bem, isso é aproximar-se da humanidade. Se ficarmos parados num mesmo lugar, longe do mundo e trancados, não faremos mal algum - mas o quanto isso ajuda o mundo a melhorar, de fato? Não agir mal é algo bom, mas uma ação correta é ainda melhor.


O Mestre disse: "um erudito que se preocupa com seu conforto material não merece ser chamado erudito".
Uma idéia magnífica pode ser pregada numa folha de papel usada com um toco de lápis. Um livro usado tem as mesmas palavras de um novo. Quem sempre invoca melhores ganhos para lecionar, vê apenas a educação como mais um trabalho, e não como uma missão. Este não é um Mestre de verdade, nem sábio, nem nada.

O Mestre disse: "um homem virtuoso sempre dá bons conselhos; um homem que dá bons conselhos nem sempre é virtuoso. Um homem bom é sempre corajoso; um homem corajoso nem sempre é bom".
Um sábio tem suas virtudes consolidadas; e as virtudes precisam do sábio para existir, pois ele é o exemplo vivo de sua existência. Por isso, as pessoas copiam os modelos, mas nem sempre são virtuosas, ou as tem de modo consolidado em seu coração.


Zilu perguntou como servir a um príncipe. O Mestre disse: "diz-lhe a verdade mesmo que ela o ofenda".
Com governantes fracos, a sinceridade e a lealdade do servo fiel são punidas com a ignorância, a desconfiança e o desprezo. Ainda assim, se a oportunidade de fazer o que é mais correto aparece, que se diga o que é necessário. Se a opinião do servo fiel for ouvida, melhor para todos; se for criticada e recebida com rispidez, do mesmo modo, a questão está resolvida, e o servo percebe que lá não é seu lugar. Ele não será mais incomodado com estas questões.


O Mestre disse: "nos velhos tempos, as pessoas estudavam para se aperfeiçoar. hoje, elas estudam para impressionar os outros".
Em qualquer lugar que se vá, existem pessoas que estudam para subir postos, e não porque amam o que fazem. Do artesão ao condutor, do lixeiro ao professor, do político ao funcionário, existem os que estudam e fazem o melhor para servir; e existem os que se apresentam, apenas, como concorrentes a um cargo maior. Estes serão sempre os concorrentes em ambição desmedida, e uma ameaça para o bom funcionamento das coisas.


O Mestre disse: "não é a tua obscuridade que deveria afligir-te, mas tua incompetência".
Mas qual é o incompetente que sabe que é incompetente?


O Mestre disse: "não antecipar um logro ou suspeitar de má-fé, mas ser capaz de detectá-los de imediato, isso é sagacidade".
A sagacidade é o oposto complementar da astúcia. Não se pode desconfiar sem antes confiar, isto é insegurança; não se pode confiar grandes coisas de imediato a um desconhecido, isso é tolice; saber conduzir gradativamente as coisas, administrar com cuidado e evitar as trapaças é sagacidade. Os astutos, amigos do engodo, a temem. É uma virtude difícil, que se adquire com experiência e com erros.


Alguém disse: "retribuir o ódio com gentileza - o que pensais disso?" O Mestre disse: "e com o que retribuirias a gentileza? melhor é: retribui o bem com o bem e o mal com justiça".
As abominações celestiais atentam contra a ordem celeste e harmônica das coisas, pois se tudo está organizado na grande oposição complementar (taiji), então, é inexorável que a desordem surja. O que é correto ordena e sustenta; o que é incorreto desagrega, e força o correto a ser cada vez melhor e mais profundo. Assim sendo, o magnífico Mestre definiu apropriadamente a condução das coisas: o que é bom se retribui de modo igual; o que está errado, deve ser corrigido, de modo a manter a ordem e recuperar o mundo da desagregação.


Zilu passou a noite no portão de pedra. o porteiro disse: "de onde vens?" zilu disse: "sou da casa de Confúcio". - "oh, é aquele que continua perseguindo aquilo que sabe ser impossível?"
Sábio é aquele que, por não saber que algo é impossível, o faz. O mundo é feito de longas caminhadas, de jornadas de estudo estafantes, e de projetos que serão realizados pelas gerações posteriores. O conhecimento para isso está sendo construído agora - como se pode afirmar, então, que algo é impossível, apenas porque escapa ao tempo de nossa vida?


O Mestre disse: "com aqueles que não sabem dizer 'o que devo fazer? o que devo fazer?', realmente não sei o que devo fazer".
Para quem julga saber tudo, o que resta ensinar? Deixe que o ignorante acorde em sua ignorância, e daí, o resto se segue.


O Mestre disse: "não tolero essas pessoas que são capazes de despender todo um dia juntas numa exibição de astúcia sem chegar a uma única verdade".
Há pessoas que discutem um dia todo sem um propósito, trocam opiniões dogmáticas, se dizem abertos, mas são cheios de opiniões pré-concebidas, e no final não chegam a lugar algum. Estas conversas são estafantes para o sábio, pois não trazem consigo nenhuma contribuição real. São disputas de palavras, do qual os contendores querem sair ganhando, mas não desejam aprender.


O Mestre disse: "um cavalheiro exige de si mesmo; um homem vulgar exige dos outros".
Uma pessoa vulgar sempre associa alguém aos seus propósitos pois, caso erre, delega as culpas aos outros, e não a si mesmo. Por esta razão um sábio dificilmente pede ajuda: não por orgulho, mas sim, por assumir os riscos e temer o envolvimento de outros em seus projetos malogrados.


O Mestre disse: "quando todos antipatizam com um homem, devemos investigar. quando todos simpatizam com um homem, devemos investigar".
Como foi dito: sábio é aquele que alguns amam por seu saber, e outros odeiam pela mesma razão. Assim sendo, deve-se desconfiar das pessoas unânimes: elas provavelmente são feitas mais de forma do que de sentido.


O Mestre disse: "numa tentativa de meditar, passei certa vez um dia inteiro sem me alimentar e uma noite inteira sem dormir: foi inútil. é melhor estudar".
Fechar os olhos quando se está acordado, para esquecer o mundo: alguns chamam isso de meditação, outros, se sono. Se alguém dorme toda a noite, para que então meditar? a verdadeira meditação é, simplesmente, a reflexão sobre as coisas que se aprendeu, que nos levam naturalmente aos mundos extensos do pensamento e a distração natural. Isso flui, e ocorre sem que precisemos forçar as coisas. Quem acredita que deve ou precisa "sentar e esquecer", deve saber por que o faz, e proceder do modo que julgar mais apropriado.


O Mestre disse: "a habilidade de um cavalheiro não pode ser percebida em assuntos de pouca importância; mas podem-se confiar a ele grandes tarefas. A um homem vulgar não se podem confiar grandes tarefas, mas sua habilidade pode ser percebida em assuntos de pouca importância".
Um tolo reclama que as rosas têm espinhos; o sábio ri de ver que no espinheiro nascem rosas. o tolo sempre se atém aos detalhes, tão pequenos quanto ele o é; o sábio projeta coisas grandes, de modo que elas abracem o mundo e beneficiem a todos.


O Mestre disse: "com quem segue um caminho diferente, trocar idéias é inútil".
Um sábio não maltrata as palavras. Por isso ele evita compromissos fúteis com conversas vãs, não por pedantismo, mas apenas pelo desejo de aprender sempre mais. Obviamente um sábio se diverte com os amigos, mas em qualquer ocasião, eles estão sempre prontos a contemplar o mundo, e a investigar as coisas.


Confúcio disse: "três tipos de amigos são benéficos; três tipos de amigos são nefastos. a amizade com os retos, os dignos de confiança e os eruditos é benéfica. a amizade com os desviantes, os subservientes e os eloqüentes é nefasta".
Neste trecho, Confúcio indica o caminho para se descobrir os verdadeiros amigos, e aqueles com que nos enganaremos. A verdadeira amizade é um compromisso de coração, e não um acordo de interesses.


Confúcio disse: "três tipos de prazeres são proveitosos; três tipos de prazeres são nefastos. o prazer de realizar os ritos e a música adequadamente, o prazer de louvar as qualidades das outras pessoas, o prazer de ter muitos amigos talentosos é proveitoso. o prazer de demonstrações extravagantes, o prazer de divagar ociosamente, o prazer de embriagar-se de forma indecente é nefasto".
Com aqueles que temos verdadeira intimidade, as possibilidades da amizade são infinitas. No mais, aqueles que desejam somente aparecer diante dos outros são como animais que buscam fazer a dança do acasalamento, estufando pelagens e produzindo sons incômodos para demonstrar o que não tem. Esses não são amigos, são colegas de ocasião.


Confúcio disse: "ao prestar serviços a um cavalheiro, devem-se evitar três erros. falar antes de ser convidado a fazê-lo - isso é precipitação. não falar quando convidado a fazê-lo - isso é dissimulação. falar sem observar a expressão do cavalheiro - isso é cegueira".
Nada é mais inconveniente do que conversar com pedantes; eles não nos deixam falar; quando nos ouvem, é para medir as palavras não em busca de seu sentido, mas para encontrar um meio de invertê-las ou destruir um bom argumento; por fim, no meio de um diálogo, cerrar os olhos num olhar falso ou empinado é uma demonstração de arrogância desmedida. Uma pessoa correta sabe o que falar, quando falar e como falar.


Confúcio disse: "um cavalheiro tem de se guardar contra três perigos. Na juventude, quando a energia do sangue ainda está alvoroçada, ele deve guardar-se contra a volúpia. Na maturidade, quando a energia do sangue está no seu apogeu, ele deve guardar-se contra a raiva. Na velhice, quando a energia do sangue está em descenso, ele deve guardar-se contra a avidez".
Na juventude, o sexo é o atrativo mais forte da mente, e se constitui tanto num meio libertador quanto numa armadilha. Na juventude, as pessoas devem se precaver de só pensar nisso, e buscar outra coisa de que gostem no estudo e nas artes; devem se conter de praticar o sexo sem prevenção, incorrendo no risco de contrair moléstias ou de provocar uma gravidez indesejada; devem compreender que o sexo é uma forma de prazer libertador, e que se feito com cuidado e carinho pode criar amizades, desfazer tensões e estimular a criatividade. Alguns, porém, acreditam que o sexo pode servir para libertar-se da família e obter a liberdade individual, através da geração de filhos. Este terrível equívoco redunda na criação de uma nova família e de um novo compromisso, e não em liberdade. Seria uma contradição afastar o sexo da juventude; o que se pode fazer é buscar a justa medida, por meio da orientação adequada, do aprimoramento pessoal e do desenvolvimento de consciência individual. A proibição total leva a tensão, a depressão e a crise; o desregramento inconsciente, ao vício e a violência. Isso provocará, na idade adulta, a insatisfação e a decepção que leva a raiva. Na idade madura, as necessidades de trabalho, compromissos sociais, e as tensões cotidianas levam ao sentimento de ira e raiva, a que mesmo os prazeres juvenis não podem, muitas vezes, compensar. é a época de evitar o desgaste, se precaver contra ressentimentos, disputas e lutas por posições. As causas devem ser, somente aquelas da sabedoria. Na velhice, a falência do corpo leva à avidez material, como meio de suprir as impossibilidades físicas da idade. Neste momento, justamente, que uma pessoa deveria ser mais sábia do que nunca; mas, infelizmente, muitos chegam até a velhice cometendo os mesmos erros da juventude e da maturidade. Ou seja, o desregramento da juventude leva a decepção da maturidade, e da ignorância na velhice. Isso pode ser, porém, consertado ao longo da vida - só depende do indivíduo.


Confúcio disse: "um cavalheiro teme três coisas: ele teme a vontade do céu, ele teme grandes homens, ele teme as palavras dos santos. Um homem vulgar não teme a vontade do céu, pois não a conhece. Ele despreza a grandeza e zomba das palavras dos santos".
Pode-se conhecer um tolo facilmente: é aquele que tripudia dos bons conselhos, e acha que pode tudo com o pouco que sabe. Ele nunca poderá entender a vontade do céu enquanto agir assim; ele nunca perceberá um santo a sua frente, nem mesmo ouvirá suas palavras. Em sua cabeça pequena, o céu, os santos e as palavras devem vir banhadas em ouro, caso contrário, não terão valor.


Confúcio disse: "aqueles que têm um conhecimento inato são os mais elevados. depois vêm aqueles que adquirem conhecimento pela aprendizagem. em seguida vêm aqueles que aprendem pelas provações da vida. No nível mais baixo estão as pessoas comuns que passam pelas provações da vida sem aprender nada".
Alguns percebem suas propensões naturais desde cedo; outros estudam para alcançá-la; outros a descobrem por acidente; mas existem aqueles que negam todos estes meios para realizarem a si mesmos. Estes terão sempre uma vida dura, superficial e infeliz pela frente.


O Mestre disse: "o que a natureza junta, o hábito separa".
No meio e uma multidão, existirão sempre sábios e ignorantes. O observador atento, e sequioso de saber, breve perceberá a diferença, apesar da confusão.


O Mestre disse: "só os mais sábios e os mais estúpidos nunca mudam".
Os mais sábios sabem o que é correto, os ignorantes não. Um insiste porque é o melhor pra todos, o outro, porque é o melhor para si. Um é constante na mudança; o outro está em mudança constante, ainda que insista ser o mesmo.


O Mestre disse: "zilu, já ouviste falar das seis qualidades e suas seis perversões?" - "não". - "senta-te, eu te contarei. O amor pela humanidade sem o amor pela aprendizagem degenera em tolice. O amor pela inteligência sem o amor pela aprendizagem degenera em frivolidade. O amor pelo cavalheirismo sem o amor pela aprendizagem degenera em banditismo. O amor pela franqueza sem o amor pela aprendizagem degenera em brutalidade. O amor pela coragem sem o amor pela aprendizagem degenera em violência. O amor pela força sem o amor pela aprendizagem degenera em anarquia".
A aprendizagem é o alicerce de tudo, e sem ela, tudo fica incompleto. Quem não busca aprender para se aprimorar, acaba incorrendo em excesso.


O Mestre disse: "aqueles que fazem da virtude sua profissão são a ruína da virtude".
O moralista é sempre um especialista em erros alheios. Como ela sabe tanto sobre erros, se supostamente foi sempre um praticante da moral?


O Mestre disse: "contadores de mentiras são deserdados da virtude".
A questão aqui não é a mentira, mas os mentirosos: estes fazem da mentira um hábito, com fins de atingir um objetivo pessoal. Quando a mentira é constante, o mentiroso é logo descoberto, e ninguém mais acredita nele.


Zigong disse: "um cavalheiro tem ódio?" O Mestre disse: "Tem. Ele odeia aqueles que repisam o que é odioso nos outros. Ele odeia os inferiores que difamam seus superiores. Ele odeia aqueles cuja coragem não é temperada por modos civilizados. ele odeia os impulsivos e os teimosos". Ele continuou: "e vós? Não tendes vossos próprios ódios?" - "odeio os plagiários que fingem ser eruditos. Odeio os arrogantes que fingem ser valentes. Odeio os maliciosos que fingem ser sinceros".
A condescendência com a ignorância nunca ajudou o mundo a melhorar; o obséquio do erro é a oportunidade da injustiça, e o favor da incompetência. Apenas se busque corrigir os erros e se ter uma conduta adequada, e todos poderão ter tudo. Mas como isso é difícil!


Zixia disse: "um homem vulgar sempre tenta encobrir seus erros".
Por mais ignorante que seja, ele sabe que errou. Isso mostra que ele não nem inocente nem ingênuo. Por que desculpá-lo?


Zizhang disse: "quais são os quatro grandes crimes?" O Mestre disse: "o terror, que se apóia na ignorância e no assassinato. a tirania, que exige resultados sem aconselhar adequadamente. A extorsão, que é conduzida por meio de ordens contraditórias. A burocracia, que recusa ao povo aquilo a que ele tem direito".
Este é o resumo do mau governo, conforme o Mestre havia indicado anteriormente. Guie-se um soberano por estas regras e ele será lembrado com carinho; esqueça-as, e ele será odiado como déspota, e exemplo contrário ao caminho.








Esta é a conclusão de nossa investigação. As abominações celestiais não decorrem da natureza como se existissem inerentes a humanidade, mas sim, decorrem do excesso ou da ausência. A busca da justa medida é o modo como se afasta o erro e se descobre o apropriado; o estudo é a descoberta deste caminho. Quem quer se identifique com as propostas daqui, ou constate as abominações aqui indicadas, está se aproximando do caminho. A busca não é simples, o projeto é exaustivo, a prática é dura e o resultado é redentor e feliz.


FIM


A versão do Lunyu aqui utilizada foi a de Simon Leys.

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