Do Exercício da Crença

Em ocasião anterior, discutimos as dúvidas. Agora, devemos discutir as crenças. são dois os tipos de crenças; as que tem fundamento, e as que não tem.

As crenças que não tem fundamento não podem ser afirmadas; alguns dizem que, por isso, também não podem ser negadas. Este é um belo exercício de palavras, mas que em nada ajuda a esclarecer.

As crenças que tem fundamento são aquelas dadas pelas ciências e pela investigação das coisas. Tudo que afirmam pode ser provado, mas por isso mesmo, é pouco o que podem afirmar.

O primeiro tipo de crença é completada pela imaginação dominada pelo coração; o segundo tipo, pela imaginação amiga da mente e da razão. A crença sem fundamento dificilmente contém erros, exceto quando se põe a dialogar com a razão. A crença com fundamentos sempre tem erros que são resultado da própria evolução do conhecimento.

Ora, para dedicar-se a razão, é necessário estudo. Por isso, as pessoas deixam levar facilmente pelo primeiro tipo de crença, que é mais simples, enquanto os sábios lutam para compreender e descobrir o segundo.

Em geral, os que acreditam nas crenças sem fundamento se curam pelos médicos, mas agradecem aos fantasmas. Os que acreditam nas crenças fundamentadas, agradecem aos médicos e tentam se curar dos fantasmas.

A questão, contudo, é - no que devemos acreditar? Se uma crença não se prova, ela no entanto nos conforta ou inquieta; a que se prova, depois se vê errada. Não parece haver, pois, uma verdade qualquer que se possa ser dita realmente "verdadeira", já que vivemos na mutação, e nossos sentidos são assim embaçados. Por outro lado, não crer em nada é viver à deriva, e mesmo quem crê em nada, crê em algo - e o nada é o vazio, que existe e não-existe ao mesmo tempo. Isso seria uma crença com ou sem fundamento?

Por esta razão, o sábio decide, ao longo de sua vida, que ele deve acreditar em alguma coisa. No trato com as pessoas e as coisas na mutação, ele age com fundamentos; ao discutir as coisas sem fundamentos, ele tenta especular de modo coerente sem, contudo, ser definitivo.

Está dito no Zhong Yong: "O poder das forças espirituais no Universo - como se faz sentir por toda a parte! invisível aos olhos, e impalpável aos sentidos, é inerente a todas as coisas e nada escapa à sua influência". É fato que existem essas forças que fazem com que os homens de todos os países jejuem e se purifiquem e com solenidade de roupas instituam serviços de sacrifício e de adoração religiosa. Tal como o ímpeto das águas poderosas, a presença dos Poderes invisíveis se faz sentir; algumas vezes sobre nós, outras ao redor de nós. Diz o "Livro dos Cânticos": "A presença do Espírito: Não pode ser imaginada sem fundamento, como então pode ser ignorada!" Tal é a evidência das coisas invisíveis que é impossível duvidar da natureza espiritual do homem” , o que significa: o que não existe é o que não podemos ver - e o que podemos, passa a existir. Assim, o sábio respeita sem tripudiar, mas também sem se submeter, aos costumes de um povo e às suas ciências. Delas, saem tanto o saber quanto as baboseiras.

Um sábio investiga os ancestrais, e se guia pelos modelos da sabedoria. O tolo vive sempre perdido, acreditando no que lhe convém. Quyuan consultou o oráculo, uma vez, sobre os problemas de sua vida. Lhe deram a seguinte resposta: há problemas na vida de uma pessoa que só ela mesma pode decidir. Se até o oráculo sabe disso, como não saberíamos nós?

O sábio estuda antes de consultar os oráculos; quando o faz, é leal aos presságios e conselhos. Há que se crer no que se pode provar, mas há que se respeitar o desconhecido. Assim, o sábio sempre pondera, busca não errar, empreende sozinho e procura no que está além da razão aquilo que a razão ainda não pode explicar.

Chegará o dia, porém, em que a razão explicará todas estas coisas, e provavelmente, o oculto se revelará. Existem conhecimentos que só alcançamos quando estamos prontos para constatá-los. Não há, portanto, espaços longos para uma fé vã - motor inefável da tolice e do fanatismo. A verdadeira crença é construída pela razão e pelo coração, cuja bondade enfrenta, com dignidade, devoção e amor a descoberta do desconhecido.


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