A verdadeira Carta sobre o Humanismo - John Rabe ou Heidegger?


Acredito que muitos conhecem Heidegger; o consagrado filósofo alemão, que criou uma meia dúzia de teorias hoje tidas como “interessantes”, foi um nazista ativo nos tempos de Hitler. Se filiou ao partido para ser reitor universitário; virou reitor para impor suas idéias e perseguir os discordantes; e assim, foi construindo seu mundo filosófico de abstrações vagas e afirmações absurdas, tal como a de que só se pode filosofar em grego – algo estranho, pra quem insistia em escrever em alemão. Pego na carraspana que levaram os nazistas, enfiou o rabo entre as pernas e ficou quieto, fazendo papel de coitado. Depois, em 1949, monta com um colega francês uma farsa intelectual, escrevendo uma “carta sobre o humanismo”, “dizendo-se arrependido” (pois ele não o disse, essa é a verdade) e buscando uma nova “forma autêntica de humanismo” – talvez os judeus salvos por Schindler possam ter ouvido essas desculpas, mas a outra grande parte não pode fazê-lo.

Por outro lado em 1937, na China, um fiel do partido nazista, chamado “John” Rabe, fez de tudo para salvar mais de 200.000 chineses das garras de um homicida exército japonês. O episódio aconteceu durante o tristemente famoso “Massacre de Nanquim”. Rabe chegou a pedir para Hitler, ingenuamente, que intercedesse junto aos japoneses para cessar o genocídio. Em 1937, foi levado de volta para Alemanha, onde foi interrogado e preso pela Gestapo. Graças à Siemens, empresa em que trabalhava, ele foi libertado, mas amargou uma vida ruim e difícil até sua morte em 1950. Estava tão pobre que precisava aceitar doações de alimentos e remédios de amigos e chineses salvos do massacre. Sua situação provavelmente foi complicada pelo fato de que a China transformara-se num país comunista em 1949, e ninguém queria saber dos chineses. Figuras como Schindler ou Aristides Mendes (o embaixador português salvador de judeus na França) foram alentadas e reconhecidas graças à comoção do holocausto, a sua atitude em face do perigo direto, e ao lobby judaico pelo Estado de Israel. Infelizmente, porém, os chineses não eram europeus; contavam-se aos milhares; e salvar 200.000 era apenas uma estatística, algo “menos interessante” do que um final de copa do mundo. Rabe caiu nesse vácuo, e só agora as pessoas têm se interessado por sua história. O inusitado disso tudo foi que ele usou a braçadeira e a bandeira da Alemanha nazista para salvar pessoas, coisa que Heidegger nunca fez. No meio da guerra, ele parava os japoneses invocando sua condição nazi-alemã; não lembro de Heidegger ter salvo ninguém assim, nem antes e nem depois da “grande 2ª”. Aliás, alguém me diga quem ele, por acaso, salvou; e se alguém conhece outros nazistas interessados em salvar, e não em exterminar...

Assim, a história de Rabe e Heidegger é emblemática para mostrar o envolvimento dos intelectuais, nos dias de hoje, com pensadores e humanistas. Temerosos do “perigo asiático” representado pela China, muito se evadem para sua gaiola eurocêntrica, diante de um desafio histórico e filosófico que não sabem – e nem querem – responder. Por conta disso, estão mesmo dispostos a fazer parte de um grupo de pretensos “esclarecidos” que, por todos meios, tenta achar algo de bom em alguém que foi tão vil – Heidegger. Em compensação, lêem o massacre de Nanquim como um acontecimento histórico, e a salvação de milhares de pessoas como algo não sistemático, feito por alguém que não fez filosofia, e portanto, menos importante. É verdade, Rabe escreveu em seu diário suas terríveis memórias, e não pensou em que teoria poderia ordená-las. Apenas enfrentou a violência de frente, e salvou muitos com coragem.

Prefiro, pois, o diário de Rabe – a verdadeira “carta sobre o humanismo” que muitos deveriam ler, e não as pretensas teorias de um suposto sábio e de sua convencida hipocrisia. Esse golpe não deveria tapear mais ninguém, mas muitos ainda se enganam com isso, achando que no final vão ganhar alguma coisa.

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