Nelson Rodrigues já havia dito: somos tão “humildes” que um dia teremos receio de sair de casa, com medo de sermos atropelados pelo carrinho de sorvete.
Sim, o Brasil é feito de vítimas. Vítimas da sociedade, vítimas do sistema, temos tantas vítimas que faltam culpados – razão pela qual as vítimas de verdade nunca encontram a quem processar quando precisam, e a culpa nunca é de ninguém quando os problemas chegam – ou , no reverso bipolar dessa nossa condição nacional, a culpa se dilui entre todos; “todos somos culpados disso”, se diz, para que todos sejam vítimas uns dos outros.
O verdadeiro “culpado” – o que se vira, o que corre atrás, que empreende e trabalha – adquiriu, ao longo dos últimos anos, além de uma pesada carga de impostos, a “responsabilidade social” - ou seja, a culpa dele fazer por si próprio o que os outros não fazem por si mesmos.
Envergonhado por trabalhar e estudar, ele é tripudiado pelas vítimas, cujo “sofrimento atroz” justifica todo e qualquer tipo de abuso contra quem faz algo de bom.
Desestimulados, muitos desistem de se culpar por fazer a coisa certa e se entregam ao errado, abandonando-se e se tornando novas vítimas.
Um país assim adora líderes, que fazem “tudo pelo povo” – suas vítimas preferidas – e muitas vezes, ao invés de trabalhadores incansáveis, são justamente os exemplos de indolência – justificando a vitimologia e dando o exemplo do “correto que vêm de cima”.
A vitimologia é a pior das ideologias, propagada por um governo incompetente e uma sociedade conivente, que destroem o seu amor-próprio em função de uma subserviência declarada, um desejo inesgotável de ser nada para conseguir alguma coisa – afinal, pra quem se contata com pouco, o nada já e razoável.
Por isso, para se fazer uma nação poderosa, é preciso lembrar – mais do que o “choro dos tadinhos” de Confúcio, no Justo Meio (Zhong Yong), quando ele diz:
Aquele que é sincero consigo mesmo chega ao justo (Centralidade) sem esforço, compreende sem pensar, e segue facilmente pela medida (Caminho); este é o sábio. Buscar esta sinceridade consigo mesmo é acolher o bem dentro de si e o manter de forma firme; estudar para ampliá-lo, buscá-lo com precisão e raciocinar com atenção, discernindo-o com clareza, e o pondo em prática por completo em tudo que faz. Há pessoas que não estudam, ou estudando, não buscam ampliá-lo, mas não o abandonam [o caminho]. Há pessoas que não o buscam, ou buscando-o, não fazem com precisão, mas não o abandonam. Há pessoas que não raciocinam, ou raciocinando, não o fazem com atenção, mas não o abandonam. Há pessoas que não o discernem, ou discernindo-o, não fazem com clareza, mas não o abandonam. Há pessoas, por fim, que não o põe em prática; ou pondo-o, não o fazem por completo, mas não o abandonam. O que os outros fazem uma vez, elas fazem cem vezes; O que os outros fazem duas vezes, elas fazem mil vezes; Se alguém for capaz de realmente seguir este caminho, seja um tolo, ele se esclarecerá; seja um fraco, ele se fortalecerá.
Sem o que, um dia, a conta vai estourar, e todos serão vítimas de verdade... ou já não o são?
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