Só por meio da educação, pois, tornar-se-á alguém insatisfeito com o que sabe; e só quando tem de ensinar a outrem é que a gente dá-se conta da incômoda insuficiência dos próprios conhecimentos. Insatisfeita com o que sabe, a pessoa então percebe que é seu o mal, e dando-se conta da incômoda insuficiência de seus conhecimentos sentir-se-á impelida a aprimorar-se. Por isto se diz que "os processos de ensinar e aprender estimulam-se um ao outro". (Liji)
Quando Confúcio escreveu esse trecho no Liji, ele já havia constatado duas coisas: primeiro, que a causa de uma crise social é a ignorância; que a ignorância é o desconhecimento da moral, incapacidade de reflexão e visão obtusa de mundo; que esses fatores são resultado da falta de educação; que sem educação, não é possível construir um mundo melhor; e que um mundo melhor depende da formação de indivíduos sensíveis, capazes, estudados e autônomos. Segundo, que a transformação existirá sempre, e que por isso precisamos constantemente de educação. Não estamos em crise perene; quando há educação, há uma conservação equilibrada dos padrões sociais e culturais em relação aos desafios técnicos e morais que se tem de enfrentar. Uma sociedade educada não estanca, mas controla suas mudanças, e opta por elas de modo consciente. Uma sociedade sem educação, porém, vive aflita, em estado de crise, os desafios que se apresentam são encarados com repulsa e violência, e as ações se dão de modo irrefletido. As opções imediatistas não dão conta de evitar os conflitos, até que um desfecho fatal force novamente um equilíbrio precário das forças. Por isso a educação era - ou deveria ser - um assunto de Estado. O esforço individual não é capaz de dar conta de salvar o mundo, apesar do bom educador ser como uma vela no escuro; mas como disse novamente Confúcio, no mesmo Liji:
A vontade de agir corretamente e a procura do que é bom dariam a uma pessoa certa reputação, mas não a tornaria capaz de influir sobre as massas. Aderir a homens hábeis e sábios, e acolher os que chegam de países longínquos, faria uma pessoa ser capaz de influir sobre as massas, mas não a habilitaria a civilizar o povo. Para o homem superior, a única maneira de civilizar o povo e instituir bons costumes sociais é pela educação. Por isso os antigos soberanos consideravam a educação como o elemento mais importante em seus esforços por implantar a ordem no país. (Liji)
Mas isso tem tanto tempo...! E ainda assim, vivemos esse obscurantismo, essa ida e volta de uma demagogia que tanto ‘facilita’ o mundo por meio do engano, que transfere para o campo da esperança e da sorte o que é fruto da capacitação... Sem apoio do Estado, o que pode o sábio fazer? Onde os estúpidos comandam, quem se dispõe a ouvir a voz da razão? Quem não conhece o dever de educar, não deveria governar; no entanto, quando a ignorância se torna regra geral de uma sociedade, o peso de conter a insatisfação das pessoas é jogado nas costas do professor, no cassetete do policial e na arma do criminoso. Nos cabe aqui pensar o que um professor pode ou não fazer. Lubuwei, pensador do período pré-Qin, comentava sobre como um bom professor procede:
Ao ensinar seus alunos, um bom mestre faz com que estudem plenamente, sem outras preocupações, que se deleitem com o que estudam, que descansem e que tenham oportunidade de se divertir, que sejam sérios na hora de estudar e que sejam exigentes consigo mesmos. Se um aluno alcança esses seis requisitos no estudo, ele estará o caminho correto, e se afastará das coisas ruins. Mas como é normal nos seres humanos, eles [os alunos] não querem fazer nada que não lhes agrade; e fazendo algo de modo forçado e desagradável, não conseguem chegar a lugar algum. (Lubuwei, 291 -235)
Lubuwei já denunciava o paradoxo de uma sociedade que queria ser poderosa sem estudar. O resultado é conhecido: Qin reunificou a China por meio de uma violência tremenda, que apavorou por anos o povo. Suprimindo e combatendo a educação tradicional, Qin tentou reinventar o mundo destruindo o passado, mas não conseguiu. Afinal, os confucionistas estavam lá, para denunciarem o que estava errado, lutar pelas tradições, e mesmo morrerem em defesa das causas justas. No entanto, contavam com um povo cioso de seu passado, e cúmplice da vontade de mudar um regime totalitário.
Não consigo deixar, porém, de fazer paralelos com nossa sociedade atual: em que estado de coisas estamos em que a pasmaceira do pensamento aguarda a próxima crise, como se estivéssemos sujeitos aos ‘acidentes do destino’? Que visão cultural é essa que mercantiliza a educação, pilar da formação social e intelectual das pessoas? Como o Estado abre universidades deixando de lado o compromisso com a educação básica? Como se pode discutir assuntos profundos num mundo regido pela superficialidade? Quando propostas absurdas e incoerentes se transformam em medida corrente, é porque as pessoas se abandonam a incerteza, e negociam com a corrupção a sobrevida de seus propósitos.
Foi o historiador Arnold Toynbee (1889 +1975) que afirmou, em seu Estudo da História, que as civilizações não são destruídas, mas se suicidam antes. Quando elas não são capazes de vencer os desafios que se lhe impõe, elas decaem até exaurir suas forças e ceder a pressão da crise. Eu poderia contestar várias coisas na obra de Toynbee, mas concordo com ele nesse ponto; não é a demagogia que manterá unida qualquer civilização, se essa não estiver preparada para responder aos desafios que virão. E a preparação só existe com a educação. Essa foi a opção milenar chinesa; essa deveria ser a nossa...
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