Redizer Confúcio é a tradução do livro Zhong Yong (A Justa Medida), organizado pelo neto de Confúcio, Zisi (séc. -4?). Todo o texto foi feito a partir de fragmentos e palavras do mestre, e Zisi era considerado realmente uma autoridade dentro da escola de pensadores fundada por seu avô. O livro tinha como objetivo discutir um aspecto específico da doutrina confucionista: como alcançar o arranjo correto entre o excesso e a ausência, entre o querer e o poder, entre as tensões yin e yang? Essa seria a justa medida, o modelo ético ideal para o verdadeiro educado (junzi). Como nas Conversas de Confúcio, tentei simplificar o texto, deixando de lado os arcaísmos. Essa tradução é do tempo da minha tese de doutorado, e continha alguns erros e desatenções. Na época, traduzi o junzi com o ‘ser moral’, mas troquei aqui, novamente, pelo ‘educado’; utilizei anteriormente, também, o termo ‘sinceridade moral’誠, no sentido de seguir a moral de modo apropriado. Todavia, isso me parece um tanto limitado agora, pois não pressupõe a autonomia do individuo, ou sua vontade de agir. Por conta disso, substitui o termo por ‘autenticidade realizante’, no sentido de seguir a moral corretamente, mas por vontade própria, e encontrando assim satisfação interna.
De todos os textos confucionistas, esse é um dos que particularmente mais gosto. Originalmente, ele havia sido incluído nos Registros Culturais (Liji), provavelmente na época Han, mas Zhuxi (1130+1200) o separou para formar aquilo que considerava o conjunto de leituras básicas do confucionismo – as Conversas (Lunyu), o Zhong Yong (Justa medida), o Daxue (Grande estudo) e o livro de Mêncio, discípulo de Zisi e um dos grandes pensadores da doutrina. Zhuxi o fez por entender que esses textos apresentavam os elementos fundamentais do pensar de Confúcio, iniciando o estudioso no sistema. Por outro lado, criava-se uma abertura importante: os tratados antigos (poesias, mutações, etc.) continuariam a ser lidos, mas a teoria que se consolidava, por meio de Zhuxi, era de que haveria uma estrutura do confucionismo – o ideal do estudo, da harmonia e do aperfeiçoamento – que seria perene, permitindo o avanço da história e das ciências. O confucionismo se tornaria um ‘modo de olhar o mundo’, uma atitude diante da realidade, incitando a busca do conhecimento de forma ética e consciente. Quanto à justa medida, ela se torna o ideal de realização social, o meio pelo qual se atinge a autenticidade realizante. Veja aqui a minha tese sobre Confúcio e Aristóteles
Capítulo 1
O que o céu concedeu ao ser é chamado Natureza humana 性; seguir esta Natureza é o que se chama Caminho 道; seguir o Caminho é o que se chama Educação 教.
O caminho não pode ser abandonado por um só instante; se pudesse, não seria o caminho. Por isso, o ser superior espreita o que seus olhos não podem ver e atenta-se ao que os ouvidos não podem ouvir.
Não há nada mais visível do que o que não se busca ver, nada mais palpável que o não-tocado. Por isso o ser superior presta atenção diligentemente a si mesmo.
Enquanto o contentamento ou a raiva, a tristeza ou a alegria ainda não despertaram, temos a centralidade 中. Quando estas paixões despertam de forma equilibrada e medida, temos a Harmonia 和 (Medida). A Centralidade é o grande fundamento do mundo; a Harmonia, o caminho universal.
Quando a centralidade e a harmonia forem levadas ao seu ponto supremo, céu e terra estarão em seus lugares, e todos os seres prosperarão.
Capítulo 2
A vida do Educado (君子) é a justa-medida (中庸), a dos ignorantes (小人), a desmedida.
A justa medida caracteriza um Educado, pois ele se mantém, todo o tempo, em sua regulação; o ser vulgar, porém, é insaciável em sua desmedida.
Capítulo 3
O Mestre disse: a justa medida, que grandeza! Raros são aqueles que a atingiram em todo tempo.
Capítulo 4
O Mestre disse: porque o caminho é pouco praticado, agora sei que os prudentes vão além, e os ignorantes nunca o alcançam; porque o caminho é pouco estudado, agora sei que os sábios buscam mais do que a centralidade, e os parvos não a alcançam. Entre os seres, não há um que não coma e não beba; mas raros são os que sabem apreciar o sabor.
Capítulo 5
O Mestre disse; "Ah, como são poucos os que seguem o caminho”.
Capítulo 6
O Mestre disse: “como era grande a sabedoria de Shun! Shun era, por índole, curioso, e gostava de conversar e perguntar. Ignorava o que era ruim e valorizava o que era bom. Tocou os extremos das coisas, inferiu o meio e o aplicou para seu povo. Este era o grande Shun”.
Capítulo 7
Todas as pessoas dizem "eu sei", mas ao caírem numa rede, armadilha ou cilada nenhuma delas sabe o modo de escapar. Todos dizem "eu sei", mas ao encontrar a justa medida, não conseguem mantê-la por mais de um mês.
Capítulo 8
O Mestre disse: “Este era Hui! Durante toda a vida procurou a justa medida, e quando a alcançou, agarrou-a com as mãos, guardou-a em seu peito e nunca mais a abandonou”.
Capítulo 9
O Mestre disse: “no mundo inteiro, [os seres] podem governar; podem recusar honrarias e proveitos; podem não se machucar, mesmo de pés nus; mas a justa medida, eles podem nunca encontrar”.
Capítulo 10
Zilu perguntou sobre o que é a força interior;
O Mestre disse: você fala da força do povo do norte, da força do povo do sul, ou da sua força? Serem pacientes e gentis, sempre retribuindo com o bem -esta é a força do povo do sul, que os fazem uma gente de bem; viver sempre dispostos, armados e prontos a morrer sem medo - esta é a força do povo do norte, que os fazem uma gente forte. O sábio se acomoda a uma sem perder a outra, se mantendo firme em seu centro, sem se inclinar para nenhum dos lados. Assim ele mostra sua força! Quando o reino está em ordem, ele serve, não modificando a sociedade, e assim [ele] mostra sua força! Quando o reino está em desordem, ele serve até a morte, e assim [ele] mostra sua força!
Capítulo 11
O Mestre Confúcio disse: “buscar o obscuro e o estranho, solitário, a fim de granjear um nome póstumo; eis o que eu não faço. O Educado se conduz pelo caminho, mas alguns abandonam-no pelo meio; eu nunca poderia fazer isso. O Educado se apóia sobre a justa medida, vivendo desconhecido dos outros sem se importar. Isto sim, apenas sábios são capazes de fazer”.
Capítulo 12
O caminho do Educado está em toda a parte, e não é encontrado.
Maridos e Esposas podem dele algo apreender, mas existem coisas num nível supremo que nem o sábio pode compreender. Os mais parvos dos homens e mulheres podem praticar o caminho [em certa medida] mas, num nível supremo, nem mesmo o sábio é capaz de vivê-lo por inteiro.
Grandes como são o Céu e a Terra, ainda assim o ser humano está insatisfeito. [Para o ser humano] Nada é tão grande que não pudesse ser maior, nada é tão pequeno que não pudesse ser menor.
Diz o Tratado das Poesias:
"O Yuan (falcão) voa alto nos céus e os peixes mergulham nas profundidades".
Isto é, no mais alto do céu, ou no mais profundo oceano, o caminho pode ser encontrado. Assim, o Educado pode iniciar sua vida nas coisas comuns, mas o nível supremo [da compreensão do caminho] está na amplidão do cosmo [céu].
Capítulo 13
O Mestre disse: “o caminho não está longe do ser humano; se dele pudéssemos nos separar, então não seria o caminho”.
Diz o Tratado das Poesias:
"Ao moldar o cabo de um machado, o modelo não está longe".
Com um cabo de machado na mão como modelo para talhar outro cabo, do mesmo modo, o sábio se serve do homem para bem governar a humanidade. Tendo bem feito seu trabalho, ele o encerra.
Faz reinar, em si, a justa medida e faz crescer a reciprocidade, e não estará longe da lei moral. Não faça aos outros o que não quer que lhe façam.
Existem quatro coisas na vida moral de um homem, nenhuma das quais eu fui capaz de manter em minha vida. Servir meu pai como esperaria que meu filho me servisse; isso não fui eu capaz de fazer. Servir meu soberano como esperaria que um ministro me servisse; isso não fui capaz de fazer. Agir para como meus irmãos mais velhos como esperaria que meu irmão mais novo agisse para comigo; isso não fui capaz de fazer. Ser o primeiro a comportar-me para com os amigos como esperaria que eles se comportassem para comigo; isso não fui capaz de fazer.
Na prática das virtudes mais ordinárias e dos cuidados mais ordinários, esforce-se sempre para corrigir seus defeitos e economizar palavras. Adequar as ações às palavras, não é esse o comportamento do Educado?
Capítulo 14
O Educado conforma-se a condição de sua vida, e nada aspira além dela. Na riqueza e honraria, ele se conduz como alguém rico e honrado. Na pobreza e humildade, ele se conduz como pobre e humilde. Entre os bárbaros do Oeste ou do Norte, ele vive de acordo com as conveniências. Em meio as maiores dificuldades, ele se conduz adequadamente as circunstâncias, satisfeito consigo mesmo. Elevado, ele não pisa os inferiores; em inferioridade, ele não busca o favor dos grandes. Ele se remete somente a sua força interior, e nada lamenta; louva o Céu acima e respeita os seres abaixo.
Por isso o Educado vive tranqüilo, esperando por seu destino, enquanto o ser vulgar envereda por caminhos perigosos em busca de fortuna.
Mestre Confúcio disse: O tiro com arco é como o sábio; quando se erra o alvo, busca-se a razão em si mesmo.
Capítulo 15
O caminho do Educado é como uma longa viagem, na qual se parte com pressa, ou a um ponto alto, que se busca alcançar pondo-se em pé.
O Tratado das Poesias diz:
“O bom entendimento entre esposa e filhos é como um concerto de harpa e alaúde; quando a concórdia vive entre irmãos, esta harmonia é feliz e profunda. Estando em ordem a casa, rejubilam-se esposa e filhos”.
Mestre Confúcio disse: “Para um Pai e uma Mãe tudo então vai bem!”
Capítulo 16
O Mestre disse: “Os poderes das forças invisíveis, como são evidentes! Eu as olho, mas não vejo, eu as escuto, mas não entendo, elas são a realidade e a tudo são inerentes!”
São elas que fazem os seres do mundo inteiro se purificarem pela abstinência e vestirem suas melhores roupas para os sacrifícios. Em toda parte, elas estão presentes; as vezes sobre nós, as vezes ao nosso redor.
Diz o Tratado das Poesias:
A atuação das forças invisíveis não pode ser suposta, como não pode ser ignorada. A manifestação daquilo que há de mais sutil e impossível de olhar em toda sua realidade, isto é o que ela é!
Capítulo 17
O Mestre disse: “como era grande a piedade filial de Shun! Era um sábio virtuoso; sua dignidade foi a de um filho do céu (=imperador); sua riqueza se estendia pelos quatro mares; seus ancestrais receberam sacrifícios, e seus filhos e netos conservaram estes sacrifícios [por séculos]”.
Assim é que sua sabedoria o conduziu infalivelmente a esta dignidade imperial, a obter prosperidade, a ter este renome e longevidade.
É assim que o Céu, produzindo todos os seres, lhes favorece em suas disposições particulares. Tal como a árvore, quando bem plantada, cresce; sem raízes, porém, se abate e morre.
Diz o Tratado das Poesias:
“Admirável e amável Príncipe,
Como brilham suas virtudes!
No trato com o povo e os magistrados
Recebe suas dádivas do Céu
Protege, assiste, investe
distribui estes benefícios
e o Céu os renovará”.
Evidente, pois, que esta grande sabedoria conduziu-o infalivelmente a obter o mandato do Céu.
Capítulo 18
O Mestre disse: “Somente o Rei Wen foi livre de toda inquietação! O Rei Ji foi seu pai; o Rei Wu foi seu filho; o que o pai empreendeu, o filho continuou. O Rei Wu prosseguiu com as obras dos reis Tai, Ji e Wen; e somente uma vez vestiu seus trajes militares, e todo o império o acompanhou. Nunca perdeu seu renome, e sua dignidade era a de um Filho do Céu (Imperador). Sua riqueza se estendia pelos quatro mares, seus ancestrais recebiam sacrifícios, e seus filhos e netos conservaram estes sacrifícios [por séculos].”
“O Imperador Wu recebeu o mandato do céu ao fim de sua vida; o Duque Zhou continuou as obras de seus predecessores (Wen e Wu). Elevou a condição de reis os ancestrais Tai e Ji, oferecendo-lhes o sacrifício destinado ao Filho do Céu”.
Estas são as regras rituais que se estendem aos príncipes, nobres, oficiais e gente do povo. Uma regra para os funerais foi traçada; quando um nobre morria e seu filho era apenas um oficial, os sacrifícios que este lhe rendia eram os de um nobre e o luto, de um oficial; quando um simples oficial morria e seu filho era um nobre, os sacrifícios que este lhe rendia eram os de um oficial, e o luto, de um nobre. O Luto de um ano era destinado aos nobres, e o de três anos ao filho do Céu. O luto por Pais e Mães tem a mesma duração [três anos], sem distinção entre os nobres e o povo.
Capítulo 19
O Mestre disse; “Que a piedade filial do Rei Wu e do Duque Zhou se estenda longinquamente! Esta Piedade Filial, apta a continuar as vontades de seus pais, persevera em suas obras. Na Primavera e no Outono, eles (Wu e Zhou) restauravam o templo dos ancestrais, dispunham os utensílios rituais, apresentavam suas insígnias e ofertavam alimentos da estação”.
“As cerimônias do templo ancestral determinavam a entrada dos assistentes à esquerda ou à direita, segundo sua classe e hierarquia, permitindo distinguir seus níveis de dignidade. Distinguindo os assistentes dos nobres, eram divididas as funções cerimoniais de acordo com o mérito cada um. Após a cerimônia, acontecia então o banquete, onde a cor dos cabelos permitia ordenar as pessoas por sua idade (=moços servir mais velhos)”.
“Reunir-se no mesmo lugar que nossos ancestrais; cumprir as mesmas cerimônias, tocar a mesma música que tocaram antes de nós; honrar os que nos honraram, amar a estes que nos foram tão próximos, servir aos mortos como se ainda estivessem vivos, e após sua desaparição como se ainda estivessem presentes; esta é a piedade filial!”
“As cerimônias executadas em honra do Céu e da Terra servem ao Senhor do Alto. As cerimônias do Templo Ancestral sacrificam aos parentes mortos. Aquele que compreender o significado dos sacrifícios ao Céu e a Terra, dos sacrifícios outonais aos ancestrais, este pode governar o mundo tão facilmente como olhar para a palma da mão”.
Capítulo 20
O Duque Ai quis saber o que constituía um bom governo.
Confúcio respondeu - "Os princípios de bom governo dos Imperadores Wen e Wu se encontram ilustrados nas tiras de bambu.* Quando tais homens existem, o bom governo floresce; porém, quando tais homens se vão, o bom governo desaparece”.
O Caminho dos seres humanos favorece o bom governo, tal como o Caminho da Terra favorece o florescer das plantas. O bom governo é como a rosa e os junco; é por isso que ele repousa sobre as pessoas. Aquelas pessoas ditas justas são assim chamadas graças ao seu caráter moral; o cultivo de sua personalidade moral se dá pelo Caminho (dao); e o cultivo do Caminho se dá pelo senso de humanidade (ren).
O senso de humanidade é o que faz as pessoas afeiçoarem-se aos que estão próximos; a equidade os equilibra.
Honrar as pessoas de valor é a prática da equidade.
A ordem de afeição dos que estão mais próximos e os diversos graus de respeito correspondentes ao valor das gentes são promovidos pelas regras do comportamento social.
Por isso, o justo não pode negligenciar sua personalidade moral; se o fizer, não pode servir aos seus parentes; se não pode servi-los, não pode conhecer os seres humanos; não os conhecendo, não pode servir ao céu.
As vias comuns a todo o mundo são cinco, e os meios pelas quais eles se movimentam são três. Os deveres são os compreendidos entre o governante e o governado, entre pai e filho, entre marido e mulher, entre o irmão mais velho e o mais novo, e entre os amigos. São essas as cinco vias comuns a todo o mundo. Sabedoria, humanismo e coragem - são esses os três meios do homem, conhecidos por todo o mundo; e o são porque todos os põem em prática.
Seja Conhecendo isso por si próprio
Seja Conhecendo isso pelo aprendizado
Seja Conhecendo isso por duras penas
Quando o conhecimento é dedicado, ele é Um
Seja pela serenidade advinda da prática
Seja pelo interesse advindo do estudo
Seja pelo efeito de um grande esforço
Quando o resultado é obtido, ele é Um!
O Mestre disse: “o amor ao saber está próximo da sabedoria. O devotamento está próximo do humanismo; a sensibilidade à vergonha está próxima da coragem”.
Quem conhece estas três coisas sabe como cultivar sua personalidade moral.
Quem sabe cultivar sua personalidade moral sabe como governar os seres; quem sabe governar os seres sabe como governar as famílias e principados de todo o mundo. Ao conceder encargos às famílias e principados, existem nove regras a serem observadas: cultivar a personalidade moral, honrar os sábios, cuidar dos próximos, respeitar os grandes oficiais, atender estes mesmos oficiais, tratar o mais humilde como seu filho, trazer artesãos de todo o mundo, acolher estrangeiros e ter interesse pelo bem estar dos príncipes.
Ao cultivar sua personalidade moral (o governante), estabelece o caminho a ser seguido.
Ao honrar os sábios, ele não arrisca enganar-se. Ao cuidar dos próximos, não haverá ressentimentos familiares. Ao respeitar os grandes oficiais, ele não arrisca errar. Ao atender os grandes oficiais, ele mostra o respeito. Quando os humildes são tratados como filhos, se sentem encorajados. Quando ele manda vir artesãos de todo o mundo, sempre haverá produção (= trabalho e riqueza). Se ele bem acolhe os estrangeiros, eles afluirão para o seu reino. Quando ele tem interesse pelo bem estar dos príncipes, ele será reverenciado em todo o império.
Purificar-se pela abstinência e ter uma túnica perfeita; não seguir outro caminho senão o das regras de conduta; eis como cultivar a personalidade moral. Afastar conspiradores e banir a volúpia; fazer pouco da riqueza, mas dar tudo em troca da virtude; eis como encorajar pessoas de valor. Honrar sua posição, compartilhar seus reveses, dividir suas afeições e aversões: eis como cuidar dos próximos. Empregá-los somente em seu serviço: eis como honrar os grandes oficiais. Dar-lhes confiança e crédito; eis como atender os grandes oficiais. Empregá-los no momento conveniente e cobrar-lhes pouco imposto; eis como encorajar a gente humilde. Proceder a verificações, requisições e inspeções periódicas, retribuindo aos artesãos adequadamente os serviços; eis como estimular a produção. Recebê-los bem, protegê-los, valorizar suas aptidões e perdoar sua ignorância (dos costumes); eis como bem acolher os estrangeiros. Resgatar a posteridade gerações sem descendentes, reviver principados tombados, restaurar a ordem social e sustentar reinos em perigo, receber em sua corte príncipes e seus enviados e datas marcadas, tratando-os bem e dando-lhes poucos encargos; eis como se demonstra interesse pelo bem-estar dos príncipes.
Porque, ao conceder encargos às famílias e principados de todo o mundo, existem nove regras a serem seguidas, e o meio de pô-las em prática é apenas um;
Em todas as coisas, aquele mais preparado obterá mais sucesso.
O que estiver menos preparado fracassará.
Se determinarmos antes o que falar, não erraremos.
Se determinarmos antes o que fazer, não faliremos.
Se determinarmos antes como nos conduzir, não sofreremos.
Se determinarmos antes o caminho, não nos perderemos.
Se aqueles que estão numa posição inferior não obtêm a confiança de seus superiores, o povo não pode esperar ser bem governado.
Só há um meio de obter confiança para os superiores; se alguém não confia nos amigos, não confia nos superiores; só há um meio de obter a confiança de amigos; se alguém não confia em seus parentes, não confia nos amigos; só há um meio de obter a confiança dos parentes; se alguém, olhando a si mesmo, não sente confiança em sua autenticidade realizante, não pode confiar em seus parentes. Só há um meio pelo qual alguém obtém a confiança de seu íntimo (autenticidade realizante); Se ele obtém uma clara consciência do que é bom, ele obterá confiança em si próprio.
A autenticidade realizante com si próprio é o Caminho do Céu; acender a esta sinceridade é o Caminho dos Seres Humanos.
Aquele que é sincero consigo mesmo chega ao justo (Centralidade) sem esforço, compreende sem pensar, e segue facilmente pela medida (Caminho); este é o sábio.
Buscar esta sinceridade consigo mesmo é acolher o bem dentro de si e o manter de forma firme; estudar para ampliá-lo, buscá-lo com precisão e raciocinar com atenção, discernindo-o com clareza, e o pondo em prática por completo em tudo que faz.
Há pessoas que não estudam, ou estudando, não buscam ampliá-lo, mas não o abandonam [o caminho]. Há pessoas que não o buscam, ou buscando-o, não fazem com precisão, mas não o abandonam. Há pessoas que não raciocinam, ou raciocinando, não o fazem com atenção, mas não o abandonam. Há pessoas que não o discernem, ou discernindo-o, não fazem com clareza, mas não o abandonam. Há pessoas, por fim, que não o põe em prática; ou pondo-o, não o fazem por completo, mas não o abandonam.
O que os outros fazem uma vez, elas fazem cem vezes;
O que os outros fazem dez vezes, elas fazem mil vezes;
Se alguém for capaz de realmente seguir este caminho, seja um tolo, ele se esclarecerá; seja um fraco, ele se fortalecerá.
*formato dos livros na China Antiga
Capítulo 21
Atingir uma clara consciência do bem pela perfeição moral, a isto se chama natureza humana; atingir a perfeição moral por uma clara consciência do bem, a isto se chama instrução. A perfeição moral nasce de uma clara consciência do bem; e a clara consciência do bem nasce da perfeição moral.
Capítulo 22
Somente os que possuem uma total perfeição moral podem manifestar por completo sua natureza humana; somente os que possuem uma natureza perfeita podem fazer aflorar a natureza dos outros; e apenas os que podem fazer aflorar a natureza dos outros podem fazer aflorar a natureza das coisas. Aqueles que podem fazer aflorar a natureza das coisas podem ajudar o Céu e a Terra em sua criação; podendo ajudar o Céu e a Terra em sua criação, podem, então ser como o próprio Céu e a Terra.
Capítulo 23
Os que vêm logo depois dos sábios perfeitos são aqueles que conseguem atingir o domínio de um aspecto de sua natureza; através dela, eles podem atingir a autenticidade realizante. A [busca] da perfeição os conduz ao conhecimento; o conhecimento os conduz a manifestação; a manifestação os conduz a iluminação; a iluminação os conduz ao movimento; o movimento os conduz a modificação; a modificação os conduz a transformação. Somente aqueles que conseguem atingir a autenticidade realizante, em todo mundo, conseguem realizar transformações.
Capítulo 24
O Caminho da perfeição permite, num estágio avançado, conhecer o futuro. Quando um reino ou uma linhagem está preste a surgir, necessariamente aparecem bons augúrios; quando um reino ou uma linhagem está preste a desaparecer, necessariamente aparecem maus augúrios. Estes presságios se manifestam pelas varetas ou pelas tartarugas, se traduzindo em movimentos diferentes em seus quatro membros. Quando o bem ou o mal hão de chegar, eles podem ser previstos. Quando [o momento] é favorável, vai-se adiante; quando é desfavorável, [também] vai-se adiante; isso porque a perfeição moral é, num estágio avançado, como a dimensão do próprio espírito.
Capítulo 25
A perfeição moral realiza-se por ela mesma; do mesmo modo, o caminho realiza-se por si próprio. A perfeição moral é o fim e o início de todos os seres; sem ela, nada existe. É por essa razão que o Educado conserva-a como um valor. A perfeição moral é a realização por ela mesma, e também o meio pelo qual as coisas se realizam. Realizar a si próprio corresponde ao senso de equidade humana; realizar as coisas corresponde ao conhecimento. Esta é a capacidade de nossa natureza, o caminho que une o interno e o externo; por isso, em qualquer momento, ela está aberta [é mutável], adaptando-se [as circunstâncias].
Capítulo 26
Assim, a busca pela perfeição moral, em seu estado supremo, é sem interrupção. Não se interrompendo, ele se estende indefinidamente; se estendendo, ela se manifesta; se manifestando, ela tudo abrange; tudo abrangendo, ela ganha amplidão e consistência; ganhando amplidão e consistência, ela adquire clareza e altura.
Amplidão e consistência são o que a permite conservar os seres; clareza e altura são o que a permite cobrir os seres; abrangência e extensão são o que a permite fazer os seres existirem.
Amplidão e consistência são como a Terra; altura e claridade como o Céu; abrangência e extensão são ilimitados.
Sendo esta a natureza da autenticidade realizante, ela se manifesta sem se mostrar, modifica sem fazer movimentos, chega ao fim sem ação. O Caminho do Céu e da Terra pode ser assim resumido numa fórmula: sua ação nunca é dupla, ela é perfeita, e engendra os seres de modo imensurável.
O Caminho do Céu e da Terra é amplo, consistente, alto, claro, abrange tudo, se estende ao longe.
O Céu, como podemos observar, é apenas uma massa brilhante e brilhosa; mas em sua extensão imensurável, o sol, a lua, as estrelas e as constelações nele estão suspensos, e todas as coisas são por ele abrangidas.
A Terra, como podemos observar, não passa de uma mão cheia de pó; mas em toda sua amplidão e consistência sustém as montanhas Hua e Yue sem recear seu peso; contém rios e mares sem deixar se desfazer, e todos os seres ela conserva.
A montanha, como podemos observar, é apenas uma massa de rocha; porém em toda sua amplitude e vastidão, as plantas e árvores nela crescem, os pássaros e quadrúpedes nela moram, e tesouros preciosos (=minérios) são nela encontrados.
A Água, como podemos observar, ao longe parece não encher um copo; mas, em suas profundezas insondáveis, tartarugas gigantes e crocodilos, todas as espécies de dragões, peixes e enguias lá vivem, riquezas e mananciais nela abundam.
No Tratado das Poesias está escrito:
“A Lei do Céu, como é profunda e jamais cessa!”
Por isso se diz que o Céu é o Céu.
“Ah, Como era pura a capacidade [moral] do Rei Wen”.
Por isso se diz que o Rei Wen era o que era: pureza [moral] que jamais cessa.
Capítulo 27
Oh! Como é vasto o caminho do sábio! Transborda por todos os lados, alimenta todos os seres e, em sua elevação, toca o céu. Oh! Como seu domínio é amplo! [Ele abraça] os trezentos princípios rituais, as três mil regras de conduta! Ele espera por um ser que o ponha em prática. É por isso que se diz: “Quando o caráter moral está ausente, o caminho da perfeição moral não pode ser posto em prática”.
É por isso que o Educado respeita a natureza de sua capacidade, ao mesmo tempo em que ele não cessa de estudar e de se aperfeiçoar. Expande seus conhecimentos a amplidão, e busca o sutil e o fim [das coisas]. Procura atingir o mais alto e o mais claro, ao mesmo tempo em que conduz sua vida pela justa-medida. Revelando o antigo, descobre o novo. Sincero e profundo, respeita as exigências rituais.
Portanto, quando está numa posição de autoridade, não é orgulhoso; na posição de subordinado, não é insubordinado. Quando há ordem social moral no país, seus ditos trarão prosperidade à nação; quando não há ordem social moral no país, bastará seu silêncio para garantir-lhe segurança.
Diz o Tratado das Poesias:
“Porque o sábio é esclarecido, ele pode preservar-se de todo o perigo”
É o que foi dito anteriormente.
Capítulo 28
O Mestre disse: “um ser ignorante que se deixa levar pelo próprio julgamento; uma pessoa de nível inferior que espera agir com autoridade; alguém que, vivendo em nossa época, busca reviver costumes antigos; este atrairá para si um grande mal”.
“Somente o Filho do Céu pode deliberar sobre os ritos e determinar as medidas e fixar os caracteres da escrita. Hoje, em todo o mundo, as carruagens seguem as mesmas rotas, os textos são escritos nos mesmos caracteres, os condutores seguem as mesmas regras. Mesmo que alguém possua um cargo elevado, se ele não possui a capacidade moral conveniente, ele não pode se permitir inovar nos ritos e na música [=cultura]; e, mesmo que ele tenha a capacidade moral conveniente, mas não ocupe alta posição, ele não pode se permitir inovar nos ritos e na música”.
O Mestre disse: “eu posso falar dos ritos de Xia, mas os habitantes de Qi pouco podem testemunhar [sobre ele]. Eu estudei os ritos de Yin, e em Song eles subsistem; eu estudei os ritos de Zhou, e hoje estão em uso; são estes que eu sigo”.
Capítulo 29
Para reinar sobre o mundo, são necessárias três coisas importantes; os ritos, os costumes e a escrita. Graças aos que cometeram os mais graves erros, mesmo aquilo que, num passado distante, foi muito bom, não pode hoje ser atestado; não sendo atestado, não pode suscitar adesão; não sucitando adesão, o povo não pode segui-lo; da mesma maneira, o que emana de uma posição inferior não pode ser honrado; se não é honrado, não pode suscitar adesão; se não sucita adesão, não pode ser seguido.
Por isso, o Caminho do soberano é fundamentado na personalidade moral dele mesmo, e é atestado por todo o povo; pauta seu governo nos três reis [=fundadores das três dinastias], e não se engana; legisla de acordo com o Céu e a Terra e não é contradito; afirmando-se perante espíritos divinos, não sofre censuras; mesmo que seja preciso esperar cem gerações até que venha o sábio [para confirmá-lo], ele não está sujeito a erros. Quando confrontado com os espíritos divinos, sem sofrer censuras, ele conhece o Céu [=o mandato celeste]; quando espera por cem gerações pela vinda do sábio que o vêm confirmar, ele conhece o homem.
Assim, tal soberano, quando se movimenta, o mundo segue seu caminho; quando se agita, o mundo segue sua conduta; quando fala, o mundo segue sua regra. Os que estão longe sentem sua ausência; os que estão perto dele não se afastam.
Diz o Tratado das Poesias:
“Sem aversão, sem preocupação também; assim, noite e dia, perpetuam sua glória”.
Não houve nenhum sábio-soberano que não fosse assim, se lhe foi feito o renome em todo o império.
Capítulo 30
Transmitir os ensinamentos de Yao e Shun, seus ancestrais, seguir o modelo de Wen e Wu.
No alto, se regular pelo curso do Céu; em baixo, se regular pela alternância da Terra e da Água. Comparar-se ao Céu e a Terra que tudo contém e provê, que tudo cobre e envolve; as estações do ano, que mudam suas cores; ao sol e a lua, que brilham alternadamente.
Todos as coisas criam-se juntas, sem anularem-se umas as outras; seguem seu curso, sem se oporem umas as outras. As pequenas seguem o curso das ribeiras; as grandes, transformam. Isto é que faz a magnitude do Céu e da Terra.
Capítulo 31
Somente, no mundo, o sábio absoluto está na medida de possuir o entendimento, a vidência, a penetração e o conhecimento, de modo a poder exercer o domínio;
Ânimo, generosidade, doçura e paciência, de modo a poder fazer valer a compreensão;
Energia, força, durabilidade e resistência de modo a ser capaz de firmar-se;
Comedimento, gravidade, centralidade e retidão, de modo a se fazer responsável;
Ordenação, coerência, fineza e atenção, de modo a ser capaz de discernir.
[só o sábio é] Vasto, amplo, profundo, inesgotável como uma fonte sempre brotando, vasto e amplo como o Céu, e como as mais profundas águas.
Assim que um homem dessa força fizer sua aparição no mundo, todos o reverenciarão. Tudo o que ele disser, todos acreditarão. Tudo o que fizer, o povo ficará satisfeito. Desse modo sua fama e seu nome se espalharão e encherão todos os principados da Terra do Meio (=China), estendendo-se mesmo até os povos do norte e do sul, onde quer que alcancem os navios e as carruagens, onde a força do homem penetrar, onde quer que os céus abriguem e a terra sustenha, onde quer que o sol e a lua brilhem, onde quer que a geada e o orvalho caiam. Todos os que tiverem vida e alento o honrarão e o amarão. Portanto podemos dizer - Ele é igual a Céu.
Capítulo 32
Somente, no mundo, quem realizou sua perfeição moral, em estado supremo, pode pôr em ordem e ajustar as grandes relações da natureza, fixar os princípios fundamentais do mundo e compreender as leis pelo qual o Céu e a Terra se transformam e se reproduzem.
Senso moral insondável, Profundeza ilimitada, natureza celeste infinita; se não possuirmos em si o entendimento – vidência que constitui a sabedoria do sábio para chegar ao poder do Céu – como podemos ter este conhecimento?
Capítulo 33
Diz o Tratado das Poesias;
“Por cima de sua roupa de brocado, ele usava um traje de uma só cor”, o que evitava a ostentação de qualquer adorno. Assim é o Caminho do Educado, obscuro em seu cotidiano, porém cada dia mais ilustre; já o do ser vulgar, este é brilhante todos os dias, mas leva-o inevitavelmente a decadência. O Caminho do Educado é duro, mas não é cansativo; é simples, porém alegre; terno e, no entanto, harmônico.
Aquele que conhece o distante e o próximo, de onde vêm e para onde vai, e que tem consciência da manifestação das coisas mais ínfimas, este pode acender a virtude.
Diz o Tratado das Poesias:
“Mesmo que o peixe mergulhe profundamente na água, ele pode ser visto”.
Assim o Educado se examina interiormente para verificar se está sem defeitos, e se suas intenções não são reprováveis. O que o sábio não pode achar em si é aquilo que os outros homens não percebem em si mesmos.
Diz o Tratado das Poesias:
“Olhe em sua intimidade se não há nada do qual você possa se envergonhar, mesmo estando no mais ermo lugar”.
Assim o Educado se faz respeitoso, mesmo mantendo silêncio.
Diz o Tratado das Poesias:
“A oferenda foi apresentada, os espíritos se aproximaram - sem uma palavra, neste momento, toda contenda foi afastada”.
Assim o bom soberano não precisa oferecer recompensas para que o povo seja encorajado; e sem demonstrar cólera, não utiliza castigos para dominá-lo.
Diz o Tratado das Poesias:
“Ele não manifesta suas capacidades, e ainda assim todos os príncipes o imitam”.
Assim o bom soberano investe na vigilância de seu íntimo e o mundo todo entra em paz.
Diz o Tratado das Poesias:
“Guardo comigo a virtude que não faz barulho nem espetáculo”.
O Mestre disse: “entre os meios que possuímos de transformar o povo, o “barulho” e o “espetáculo” são os extremos”.
Diz o Tratado das Poesias:
“Sua virtude era leve como uma pluma”
Embora uma pluma possa ser medida, o Caminho do Céu se completa sem sons nem cheiros; eis o estado supremo!
ISBN 978-85-65996-00-6
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.