Tu estás livre e eu estou livre
E há uma noite para passar
Porque não vamos unidos
Porque não vamos ficar
Na aventura dos sentidos
Tu estás só e eu mais só estou
Que tu tens o meu olhar
Tens a minha mão aberta
À espera de se fechar
Nessa tua mão deserta
Vem que o amor
Não é o tempo
Nem é o tempo
Que o faz
Vem que o amor
É o momento
Em que eu me dou
Em que te dás
Tu que buscas companhia
E eu que busco quem quiser
Ser o fim desta energia
Ser um corpo de prazer
Ser o fim de mais um dia
Tu continuas à espera
Do melhor que já não vem
E a esperança foi encontrada
Antes de ti por alguém
E eu sou melhor que nada
Refrão (3x)
Canção do Engate, de António Variações.
Tentar afirmar que o amor não existe é tão difícil como tentar definir o que ele poderia ser. Eleito à categoria de conceito, pode-se dizer que muitos viram ‘atos de amor’, mas não amor ‘em si’. Escapo das classificações platônicas – eros, ágape e filia – cuja simplicidade fez com que fossem usadas até hoje por diversos pensadores [e outros nem tão pensadores assim], mas que não explicam como um mesmo termo, o ‘amor’, pode ser algo tão genérico, que serve para exemplificar e nomear uma gama tão vasta e distinta de sentimentos. O ‘amor de família’, o ‘amor social’ foram definidos pelos chineses como 'Xiao' – a fraternidade, a ‘piedade filial’, que virou mesmo um tratado cofucionista. O amor à humanidade, o humanismo, era o 'Ren', a convivência na alteridade, a aceitação do outro. 'Ai', o amor de marido e mulher, é representado por um ideograma em que há uma ‘amizade de coração’ dentro de casa. Quanto ao sexo, esse era apenas mesmo sexo, já na época de Confúcio. Uma vez ele chiou: 'quem dera as pessoas buscassem virtude como buscam o sexo!'. Ainda assim, contudo, essas são representações, imagens.
O que António Variações nos chama a atenção é a fugacidade daqueles momentos que desejamos eternizados, que é a descoberta do amor, o sentir, o viver de um ato amoroso. Mesmo que esse momento se mostre, depois, como sendo de ‘não-amor’, ou tão somente de engano de sentimentos, ele era ‘o amor’ quando foi vivido. É a ‘aventura dos sentidos’, o deleite que os caminhantes tanto procuravam na alquimia sexual. É a ‘mão aberta a espera de se fechar nessa sua mão deserta’, tal como Confúcio, que dizia que quem soubesse (como sábio) poderia governar o mundo como se apenas tocasse a palma da mão.
Nessa canção tão rica de palavras e sentidos, é possível de se supor que António simplesmente amasse. E o amor, ‘impossível’ de ser provado como conceito, torna-se ‘provável’, experimentável, palpável pelo ato de amar, pelos momentos de amor e devoção que se dá a pessoa amada: ‘Vem, que o amor é o momento, em que me dou e tu te dás’. Sim, os momentos de amor não o explicam, mas o exercitam – a tal ponto que, enfim, o tornam real.
Visto desse modo, é essa devoção que o torna um sentimento insondável, às vezes sujeito aos caprichos pessoais, mas que também pode ser educado e conduzido a algo maior – pois o ‘tal’ amor ‘dos momentos’ se transforma num hábito salutar, que se expande, trazendo o êxtase da felicidade a todos os níveis da existência. Sondar nos momentos de amor a colheita dos sentimentos é buscar a sabedoria da ação prática no melhor de todos os valores e virtudes que nos tornam humanos: amar, seja como for, desde que seja feito.
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