Servir


O Xiaojing diz que devemos servir a família. Como bons filhos, reverenciar os pais e ampará-los; e como pais, representar o microcosmo da ordem e inserir as pessoas no mundo.

Mas Confúcio não conheceu seu pai. Foi criado por uma mãe exemplar, assim como seria depois com Mêncio. Se sua esposa era boa, não sabemos devidamente, mas parece que ele também não teve muita sorte com ela. Cuidou de um de seus filhos que parecia sofrer de necessidades especiais.

Confúcio, enfim, parece ter proposto o que não teve: uma família. Suas teorias são brilhantes para explicar como a criança se insere no mundo, se educa, cresce e se torna alguém bom. Contudo, e se seus pais não foram exemplos? Como servir a quem erra, se admoestar não é suficiente? Pais podem ou não assumir os erros dos seus filhos: mas como um filho pode assumir os erros de seus pais, sabendo que isso o conduzirá ao fracasso inevitável? Ou como ele pode saber se eles estão certos ou não? Grandes sábios não ignoram as falhas humanas, e se tornam exemplo vivo de que podemos mudar a nós mesmos. Perante o erro dos que estão próximos, porém, o compromisso familiar é maior que o social, ou o sapiencial? Não deveria: mas o abandono ou o desrespeito a mesma transforma-se numa mácula para quem busca a sabedoria. Mas uma má família pode, por outro lado, fortalecer o exercício da sabedoria? Se servir é a base da fraternidade familiar, sua prática é o fundamento da paciência e da sagacidade dignificante, para aqueles que têm famílias complicadas. Porém, isso significa que ter uma família complicada juda mais na busca da sabedoria de que uma família equilibrada? Isso contraria, de certo modo, a idéia de que uma família adequada deveria ser a base de uma boa formação. Será, então, esse caso uma exceção? Talvez, já que alguém precisa aprender algo, por si mesmo, para ser um bom crítico e, por opção, um bom pai ou filho. Uma boa educação ajuda a ser tolerante; todavia, ser tolerante com os erros não é uma leniência perigosa? Tantas perguntas mostram que a família é um caminho para a sabedoria – afirmando-a, vivendo-a ou renegando-a. A conivência com o erro, enfim, é a única coisa a ser refutada sempre, inequivocamente.

Os chineses fizeram uma pequena coleção de historietas sobre a fraternidade familiar (acabei de traduzí-las). Numa delas, o antigo imperador Shun, antes de ser entronado, fazia parte de uma família pobre, cruel e implacável. Ele dedicava-se exemplarmente, mas nunca era o suficiente. Uma vez, puseram-no a trabalhar exaustivamente no campo. O Céu se compadeceu dele e enviou um elefante para ajudá-lo a arar a terra, bem como passarinhos que auxiliaram na semeadura. O imperador Yao soube desses prodígios e o indicou como sucessor. O conto é enternecedor, mas a maior parte das pessoas nunca viu seus próprios elefantes.

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