Tratado da Redenção pelas Coisas Corretas

O que a natureza nos deu é nossa humanidade. Só sabemos que somos humanos por meio do estudo. Logo, está em nossa natureza estudar, e só por meio dela nos tornamos humanos. Assim sendo, devemos sempre estudar, porque é de nossa natureza e o único meio de buscar compreender o mundo e a nós mesmos.

O estudo correto analisa a natureza e o ser humano. Toda descoberta sobre a natureza afeta o humano, e os humanos influem sobre a natureza. Assim sendo, o sábio estuda os dois e pondera sobre o que é mais apropriado.

Todo o estudo é como yin e yang, os opostos complementares. Não existe teoria sem experiência, nem experiência sem teoria, assim como não existe ser humano que seja humano sem ter estudado. Por isso, todas as questões tem dois lados ou mais. O sábio pondera sobre elas, e determina o que é mais apropriado, sem se preocupar em buscar falsos meios-termos. Pois assim como tudo tem dois lados, o que é apropriado é o correto; o que não é, é o incorreto. Quando se aplica o incorreto, criam-se as calamidades, poucos tiram proveitos de muitos e as coisas se perdem. Quando o correto é feito, então as coisas se salvam, tudo continua e prevalece a sabedoria. Essa é a redenção pelas coisas corretas.

Por isso, o sábio estuda; o ignorante se satisfaz com o pouco que sabe, e vive ao sabor da vida. O estudo correto exige um mestre; ele nos apresenta um caminho, mas só pode nos dar metade dele. A outra metade, devemos trilhar nós mesmos, por meio da prática. Pois, tudo é yin e yang; assim é também o caminho das coisas corretas. Um mestre ensina as técnicas, o discípulo as põe em prática em seu próprio benefício.

Somente ao alcançar o mestre, podemos superá-lo. Quando isso se dá, podemos fazer nosso próprio caminho.

O caminho das coisas corretas muda o mundo de agora e o prepara para o de amanhã. Pois este é o mundo da mutação; o que permanece é o princípio de como as coisas devem se feitas - mas como fazê-las, cabe ao sábio.

Por isso, ao empreender mudanças no mundo, o sábio provavelmente estará só. Os antigos meditavam; eles se preparavam para a solidão de suas causas e propósitos, pois a sabedoria faz muitos companheiros, mas poucos amigos. Por esta razão, o sábio se prepara para a defesa das grandes causas em solidão; no momento oportuno ele pode gerar uma revolução, mas sabe que sempre está só consigo mesmo. Assim é que poucos o entendem.

O estudo correto estabelece, portanto, a capacidade de ponderar; ao ponderar, decidimos o que é apropriado; ao decidir, avaliamos a possibilidade de realizá-lo; ao empreender sua realização, transformamos o mundo. Não importa quanto tempo demore, se a causa é correta, ela se realizará; ao se realizar, encontramos a redenção. Este é o segundo ponto da redenção pelas coisas corretas.

Disse Confúcio: “não faça aos outros o que não quer que seja feito com você”, o que significa: seja leal aos seus princípios, seja apropriado, faça o que é sábio.

Disse Confúcio: “retribui o bem com o bem e o mal com justiça”, o que significa: faça ao bem a todos indistintamente, mas corrija o que está errado. O limite do perdão é o fim da complacência; o obséquio do erro é o fim da justiça; a razão é o prumo da sabedoria.

Disse Confúcio: “amai a todos indistintamente”, o que significa: ninguém é culpado enquanto não encorre em erro; se erra, pode fazê-lo por duas razões; ignorância ingênua, corrigível pela explicação correta, ou a ignorância atrevida, corrigida pela justiça apropriada. Assim sendo, há os que provam sua própria culpa por suas ações.

Nenhuma ação é incorreta, se não afeta aos outros ou a si mesmo. Se estes dois princípios forem seguidos, então tudo é permitido ao que busca a sabedoria; mas aquele que não pondera sobre o que faz, deixando aos outros o critério da razão, este age de forma incorreta. Assim, o sábio pensa antes de agir; mede as conseqüências de seus atos; e age, se entender ser o correto. Neste ponto, nada o detém. O princípio de uma ação correta é, pois, o terceiro elemento fundamental da redenção pelas coisas corretas.

Quando no meio de uma ação, o sábio pode sentir-se triste ou isolado – esta é a época das músicas tristes. Mas ao não ceder a fadiga do erro, supera estes sentimentos e leva a luta até o fim – está é época das músicas redentoras. Assim, por meio da música, um sábio sabe como deve agir, pois a música é a expressão do íntimo humano.

O estudo correto nos ensina como proceder na luta pelas causas. Primeiro, devemos investigar e empreender os meios usuais, referendando o que está estabelecido; se entendermos que a causa não foi resolvida, dois podem ser os problemas: os homens ou as leis. Por meio da luta e da causa podemos superar os homens; no entanto, se as leis forem injustas, então, elas também são parte da causa, e devem ser transformadas. Lembremos: o sábio pondera sobre as coisas, e decide o que é mais apropriado.

Um sábio não costuma errar ou se enganar – se o faz, não é sábio ainda. Um buscador da sabedoria, porém, se sujeita ao erro e ao engano como parte de seu aprendizado, sem vergonha. Aqueles que costumam decidir de modo acertado somente para si mesmos, enganam a si mesmos e aos outros, e não são sábios. Crêem poder manter suas posições, mas estão sempre próximos de cair. Como disse Confúcio, “postos diante de uma armadilha, eles não saberão sair”. Mêncio também disse: “somente pode se levantar quem está de joelhos”, o que significa; os que estudam parecem tolos, mas podem crescer; somente quem crê ser superior, porém, pode cair.

O sábio só teme não saber alguma coisa. Deleita-se, porém, quando descobre não saber algo, e estuda essa coisa; esta é a atitude sincera da sabedoria. Assim, ele encontra redenção no estudo das coisas; e quando vai de encontro ao que é maior, ampliam-se suas possibilidades, encontrando novos meios para decidir sobre o que é correto. Assim ele supera o passado, muda o presente e prepara a transformação do futuro. Esta é a quarta condição da redenção pelas coisas corretas.

Ordem e desordem fazem parte do mundo e da natureza. O sábio age em harmonia com a natureza, e por isso busca a ordem. Suas conclusões se remetem, sempre, ao melhor meio de encontrar esta harmonia; e esta harmonia é a justa medida. A desordem é o oposto da ordem, tal como yang e yin. Por isso, a desordem existe; ao compreendermos o que é a desordem, aumentamos nossos conhecimentos e aprimoramos nossa sabedoria. Por isso mesmo a desordem existe, mas o sábio não se atém a ela; os que vivem em confusão e praticam a desordem são ignorantes.

Do mesmo modo, o sábio, ao estudar e defender uma grande causa, inicia sua caminhada motivado, mas encontra barreiras que o incomodam e o frustram; esta é a ordem buscando estabelecer-se sobre a desordem. O ignorante vive em desordem, e por isso crê que tudo vai bem; esta é a desordem buscando prevalecer sobre a ordem. Porém, tal como um instrumento musical ou uma obra de arte, se não há composição e harmonia, a obra não frutifica. É por isso que o sábio não desiste de sua causa, e quando ela finda e ele é bem sucedido, ele se acalma e se regojiza. Pois a vida do sábio é o sentido que ele lhe dá, e este sentido é a busca do caminho, sempre. O ignorante, porém, quando perde sua vida de desordem, entra em desespero, crê que tudo acabou e cai no colapso da razão. Pois o sentido da sua vida é o sem-sentido de viver; e assim, o ignorante passa, e o sábio permanece.

Disse o sábio Zhuxi: “ainda que tenhamos nossas propensões naturais, necessitamos fazer duros esforços no estudo e na prática para nos realizarmos”, o que significa: o estudo leva à humanidade; a humanidade leva às causas, as causas, ao sentido da sabedoria; e a sabedoria à redenção aqui, nesta vida, por meio das coisas corretas.

Por estas razões, a redenção pelas coisas corretas é a possibilidade do maravilhoso, o alcance do caminho e a realização de um sentido de vida pela felicidade sábia.

Esta é a conclusão deste Tratado.


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