Já foi discutido o Curso Correto da Vida; chegou o momento, porém, de discutir a questão da supressão da vida. E o que se entende por supressão da vida? Pela possibilidade, ou direito individual, de se suprimir uma vida em seu início ou fim.
O curso da vida é dado pelo Céu - ou cosmo, ou natureza, ou como se preferir chamar -, e existe em seu âmbito. Por isso, o curso da vida faz parte do todo, e não deveria ser interrompido. Ela tem um início e um fim integrado ao cosmo, e se existe, possui alguma função que podemos não conhecer. Só por isso, portanto, a vida deveria ser preservada de qualquer maneira, mas o ser humano busca razões complementares para lhe dar um sentido. Que sejam, então, dadas estas razões.
O que significa seguir o curso da vida para um ser humano? Se ele pode suprimir a vida, pode também prolongá-la. Suprimir e prolongar a vida são, portanto, ações artificiais dos seres humanos? Não.
Se suprimir a vida for um problema igual a prolongar a vida, então, estaríamos a discutir algo redundante: vida e morte seriam iguais, e tanto quanto isso é óbvio, podemos então perceber que se tratam de duas coisas absolutamente diferentes, embora complementares.
No entanto, prolongar a vida é uma evolução da cultura. A cultura faz parte da natureza humana. Logo, prolongar a vida é uma ação natural do ser humano; eis porque, então, ele criou a medicina, o vestuário, os ritos e a ciência, compensando assim seus defeitos, ausências ou fraquezas. O conhecimento nasceu da necessidade de prolongar a vida – o que permitiu, enfim, a busca da sabedoria.
Do mesmo modo, foram criados meios para suprimir a vida. Estes meios são, igualmente, resultados do conhecimento construído pelo ser humano. Assim sendo, suprimir a vida seria algo natural? Ele pode ser utilizado quando se ameace o equilíbrio natural das coisas; do contrário, será este conhecimento, ele mesmo, uma ameaça ao equilíbrio natural das coisas. Enquanto ele não rompe o curso natural da vida, ele não se constitui um problema, posto que todos irão morrer mesmo; o que se está perguntando, portanto, é se existem ocasiões em que realizar o ato de supressão da vida pode ser válido.
O que se busca, então, é uma razão lógica para sobreviver, e não para perecer. Todos vão perecer, e isso é inevitável. Então, devemos tentar a aproveitar a vida, posto que não podemos – e não sabemos como - aproveitar a morte. Se estamos aqui, hoje, é porque estamos vivos, e não morremos.
Assim sendo, o sábio ponderas obre o que é apropriado ou não. Preservar a vida é apropriado, salvo em raros casos; suprimir a vida é inapropriado, salvo em raros casos. Esta é a lógica da oposição complementar.
Esta é a primeira conclusão deste tratado.
Não existem argumentos religiosos válidos para defender a vida, já que existem várias religiões, cada uma com suas crenças dogmáticas cujos limites não residem nesta realidade do mundo material. Assim, a vida humana só pode realmente ser discutida por seres humanos.
Esta é a segunda conclusão deste tratado.
Quando alguém se dispõe a discutir alguma coisa, o faz por duas razões: ou para aprender, ou porque já conhece o assunto. Qualquer um que se proponha, portanto, a discutir a supressão da vida é um hipócrita – se está vivo, é porque não tem em experiência em ser morto, e se deseja aprender o que a supressão da vida significa, deverá, então, suprimir a si mesmo – algo que provavelmente ele não tenciona fazer. Portanto, não podemos discutir algo que não sabemos; assim como não fomos abortados, não aceitamos que discutam nossa vida por nós – quem, em sã consciência, aceitaria que a supressão de sua vida fosse decidida por outros, à revelia, sem chance de defesa ou argumentação? Disse Confúcio: “não faça aos outros o que não quer que seja feito com você”. Isso significa: não devemos suprimir a vida dos outros, ou nos dispomos ao mesmo. No caso das crianças, isso fica ainda mais grave: se podemos sacrificar inocentes, então, podemos ser sacrificados igualmente, sem o nosso consentimento. Uma criança não é culpada por ser concebida, acidentalmente ou não – este é um princípio de lei que existe em toda humanidade, não punir quem é inocente. Se isso for aceito, portanto, legitima-se o direito a punição de inocentes.
Esta é a terceira conclusão deste tratado.
O humano só se torna indivíduo em convivência com outros. Privá-lo disso é privá-lo da vida. Não sabemos quais são suas propensões naturais, que só irão se manifestar com o tempo; no entanto, nenhum indivíduo vivo, no atual momento, aceitaria ser privado de poder manifestar suas propensões. Logo, o argumento do “destino” é uma falácia; pessoas de vida difícil tornam-se bons indivíduos; pessoas de vida fácil tornam-se corruptos e supressores de vidas. Como saber, pois, o que será de um indivíduo?
Quanto aos que temem que novas vidas irão encher o mundo; sacrificar inocentes é apoiar a corrupção e referendar a desigualdade social. O mundo tem vastas áreas desabitadas, e muito do que se produz se perde. Os preços são feitos de acordo com o lucro, e a oferta, de acordo com a necessidade. Ora, dentro de certos limites, nada há de errado nisso; mas sabemos hoje que a fome, as doenças e a exploração dos povos são meios de controle de ideologias nefastas. Se sacrificarmos inocentes por causa da desigualdade social, não resolveremos nem a fome nem a corrupção. Permitiremos que os roubos continuem a acontecer, que as diferenças prevaleçam e que inocentes sejam punidos por isso.
Esta é a quarta conclusão deste tratado.
Quanto aos que crêem que a supressão da vida pode evitar futuros sofrimentos de um indivíduo; quem o afirma é um pretensioso. Se a supressão da vida dá fim aos sofrimentos de alguém, que esse alguém o faça por si mesmo, mas não em outros. No entanto, estes que estão vivos, ainda que sofrendo, continuam a viver. Como podemos, então, privar os outros disso?
Esta é a quinta conclusão deste tratado.
A vida começa quando se descobre a existência de um novo ser em gestação. Aqueles que desejam evitar a manifestação de novos seres, devem fazê-lo por meio apropriados de prevenção, e não de punição. A prevenção não é supressão da vida, já que ela não atua sobre uma vida formada.
Quanto ao futuro de um novo ser, já o dissemos: nada pode ser assegurado sobre o que ele será, tudo está para ser construído. Não há destino traçado. Ele está sujeito tanto à ajuda que receber quanto ao acaso de suas propensões. Não se deve privá-lo da chance, mas sim ajudá-lo – assim como aos seus geradores – em sua tarefa.
Esta é a sexta conclusão deste tratado.
As pessoas podem optar por interromper sua própria vida, e esse é um direito seu. No entanto, devem ser orientadas no sentido de não fazê-lo. Se a vida tem um curso, todos então têm um prazo de existência. Podem deixar um legado, podem aproveitá-la e serão reabsorvidas pelo todo.
Em função deste mesmo princípio, a vida dos alheios não deve ser retirada, exceto nos casos em que estes seres ameacem e afetem o cosmo por meio da destruição. Quando o fazem, atentam contra a vida e o equilíbrio natural das coisas. Por isso, esses criminosos se sujeitam a ter suas vidas suprimidas pelo bem maior.
Esta é a sétima conclusão deste tratado.
Não se deve suprimir a vida daqueles que não podem optar por isso, mesmo já tendo vivido uma vida longa. A morte piedosa é uma farsa para encobrir a corrupção. Devem existir meios de garantir a sobrevivência destes até que possam sair de seus estados dependentes ou, que o curso natural de sua vida de esgote. Os tributos mensais e anuais são dados com este fim. Se um governo não pode garantir seu bom uso, que não o cobre.
Esta é a oitava conclusão deste tratado.
A punição para os que suprimem vidas deve ser decidida pelas sociedades. Os que tiram vidas – tanto dos dependentes quanto dos independentes – se sujeitam as punições mais severas. No entanto, a melhor solução sempre é a educação e o apoio. Não se deveria suprimir, por exemplo, a vida de seres dependentes que foram gerados por atos de violação. Nestes casos, o sábio analisa o caso, pondera sobre as coisas e decide o que é mais acertado.
No curso da vida, todos podem encontrar a redenção de seus erros. Por isso, o mais adequado, sempre, é educar para que as pessoas ajam com sabedoria. Confúcio disse: “quem não sabe aprende, quem sabe ensina”, o que significa: mesmo errando, podemos buscar nos redimir por ações corretas no sentido de preservar a vida e restaurar o equilíbrio natural das coisas.
Esta é a nona conclusão deste tratado.
Os que lêem este tratado estão vivos. Isso já basta para saber o quanto é interessante viver. Por isso, não se prive os outros do que temos, e do que não queremos perder. As angústias da vida – fome, pobreza, ignorância – podem levar tanto ao desespero quanto à ignorância. Que as pessoas decidam, portanto, sobre isso.
Há sempre um sábio onde existem pessoas, e nos cabe apenas escutá-los. Se podemos escutá-los, é porque estamos vivos. Só estando vivo, portanto, se pode alcançar a sabedoria e, por conseqüência, se compreender as razões de uma boa vida.
Este é o fim deste tratado.
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