Os tolos correm atrás do rabo de um Macaco


A tradição chinesa, imortalizada na obra de Wu Chengen, transformou o rei-macaco numa figura famosa, abençoada, admirada e querida pelos chineses comuns. A história da peregrinação do oeste conta a lenda do nosso símio querido: ele nasce de modo miraculoso, de dentro de uma pedra partida por um raio, e logo encontra seus parentes macacos. Torna-se rei deles por ser o mais destemido e ágil; depois, sai pelo mundo buscando mestres para tornar-se sábio, poderoso e imortal. Um velho sábio pressente seu potencial, e o ensina – ele é o único que percebe as mensagens cifradas que o mesmo deixa, enquanto os outros discípulos seguem, dogmáticos, sem se aprofundar nas doutrinas.

Mas macacos são macacos, inquietos e sábios por natureza. O rei-macaco governa seus pequenos, vai até o Céu numa nuvem e apronta mil bagunças no banquete celestial dos deuses, que decidem puni-lo. No entanto, nenhum deles consegue vencer a agilidade do macaco-mágico, que vai vencendo um por um. Depois de uma luta incessante ele é capturado, mas mesmo assim escapa. O único que consegue derrotá-lo numa aposta é o próprio Buda – ou mesmo Deus, se assim pudermos interpretar – forçando-o a uma meditação duradoura até que venha o momento de pagar suas dívidas.

Ele surge quando o rei-macaco é convocado para acompanhar o monge Xuan Zang até a Índia, em busca de textos e objetos sagrados para serem levados para a China. Seus companheiros são um porco e um dragão. O rei-macaco espanca meio mundo, e engana a outra metade. Ajuda o monge a cumprir sua missão e ao fim, é declarado um sábio consumado, livre de seu karma.

O rei-macaco era bagunceiro, encrenqueiro, agitador, brigão, determinado e estudioso; todas estas características formam, na visão das pessoas de hoje, um personagem completamente negativo. Ser sábio é desperdiço de tempo; ser persistente é inútil, e o proveitoso é o fácil; ser determinado é o mesmo que ser teimoso; ser fiel é o mesmo que bobo; ser cômico e profundo é ser como um idiota.

Por estas razões que os ignorantes não compreendem porque o rei-macaco é tão amado: muitos queriam ser exatamente como ele, e outros o negam impiedosamente.O rei-macaco, com todas as suas travessuras, desafia Deus não por impertinência, mas por desejo de submissão ao verdadeiro e grande mestre, tal como fez Israel. Por trás de sua anárquica personalidade, reina uma absoluta e sincera compreensão do caminho da sabedoria, o que o classificaria tranquilamente como um desses “sábios loucos” que encontramos vagando por aí. Por isso mesmo, Buda lhe dá como missão uma busca de redenção, e não simplesmente de resgate – afinal, quem não gostaria de receber (e saber disso!) uma missão da própria divindade? Este é outro ponto que os ignorantes não compreendem. Ao tentarem cumprir as falsas promessas da moral hipócrita que reina na sociedade, encontram a desilusão de nunca se cumprirem, integralmente, como seres humanos. O desejo de realização parece impossível, mas o macaco, na sua felicidade hedônica, parece ameaçar este modo de vida. O ignorante culpa o livre, então, pelos crimes que ocorrem na humanidade, e diz que ele impede a felicidade! A inveja da liberdade individual é a constatação da falência de um propósito moral. Eis porque o que o rei-macaco faz, na verdade, é tido como crime pelos moralistas – mas se estiver do lado de Deus, como então pode ser crime? Assim, as pessoas dificilmente compreendem porque o rei-macaco é um abençoado, e como um iluminado pode ser tão bagunceiro.

O sábio faz amizade com os macaquinhos da floresta, diverte-se com suas travessuras, dá-lhes pito quando exageram e convivem em harmonia. O ignorante, porém, persegue a falsa promessa da moral como quem persegue o rabo de um macaco, tentando alcançá-lo em vão, já que o bichinho é muito mais rápido e esperto que ele.

Por esta razão é que pode ser dizer: “o tolo sempre corre atrás do rabo do macaco”.

Mandaram o macaco maluco
de maca para o manicômio
mas o médico que o medicou
disse:
- não é nada. é só macaquice.
Jose Paulo Paes

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