Embora não haja um Bem ou um Mal em absoluto, há padrões no mundo da mutação (Yi). Estes padrões se remetem a busca do princípio (Li); o que atenta a este princípio, transforma-se no Rito (Li) e na retidão moral, consubstanciada em Yi (Moral) e Ren (Humanismo). Estas são as condutas apropriadas, aprovadas pela ecologia do mundo (Céu, Tian), porque são construtivas e benéficas, se utilizando do que não é bom somente em casos extremos. Esta é uma conduta apropriada, num primeiro momento do junzi – o cavalheiro ideal – e depois, caso evolua, na do sheng ren – o sábio ideal. Por isso Confúcio disse:
“O homem superior considera que a retidão é o essencial em tudo. Tudo realiza de acordo com as regras da correção. Leva-as a cabo humildemente. Realiza-as com sinceridade. Esse é, verdadeiramente, um homem su¬perior”.
No entanto, pela regra da oposição complementar, existem aqueles, pois, que se comprazem no que é inapropriado – e sendo assim, sua constância no inapropriado os tornam maus. Ainda que o Mal, ou o inapropriado, advenha da ignorância, o Mau se compraz em suas próprias artimanhas para se manter na conduta inapropriada. Assim, pode-se se dizer que, embora não haja um Mal absoluto, hão pessoas que se comprazem e praticam o que é inapropriado com fins de atingirem seus objetivos egoístas e mesquinhos, prejudicando a ordem do Mundo. Estes são os jiaoren, a “gente pequena” a que Confúcio se referiu.
As ditas pessoas más são aquelas para as quais a cultura é um lustre intelectual para seus propósitos obscuros; se utilizam das pessoas para alcançarem seus fins individuais, e não o bem-estar maior; ratificam os preconceitos contra aquilo que não conhecem, e só ensinam o que pode lhes amealhar discípulos ignorantes. Estudam pouco, buscam menos ainda, procuram mentores de renome para camuflar suas próprias limitações. Engendram planos contra os bons, e não se conformam com o progresso alheio. Usam de recursos covardes e escusos para impedir a consolidação do que é apropriado e bom; a contradição de seus discursos é percebida por qualquer um que tenha um pouco mais inteligência; e a cada dia, renovam-se somente os seus interesses mundanos e suas alianças precárias.
Disse o Mestre Confúcio: “Quando um certo número de pessoas está junta, durante um dia inteiro sem que sua conversação se refira à retidão, ou quando lhes agrada falar das sugestões de uma pequena maldade, seu caso é certamente um caso difícil”.
Não é difícil, portanto, perceber como agem os que se atém ao mal. Sua constância é somente no erro e na incerteza; no entanto, eles são absolutamente inconstantes em seus propósitos, que variam do dia para a noite, segundo a ocasião e a oportunidade. Sua realização é a intriga contra o correto. Seus amigos, somente existem em função dos interesses próprios de cada um; eis a razão pela qual bandidos permanecem sempre bandidos, mas aqueles que desejam uma revolução, de bandidos se tornam revolucionários, pois seus propósitos são apropriados. Confúcio afirmou:
“Aquilo que o homem superior procura, procura-o em si mesmo. Aquilo que o homem inferior procura, procura-o nos outros”, o que significa: as pessoas cuja busca pela conduta apropriada os leva ao que é correto preparam-se para o universal, sem distinções, e buscam trazer o saber para as pessoas; os medíocres, porém, se atém a oportunidade, as conquistas fáceis, e se iludem promovendo sua própria incapacidade. É assim que falirão nos estudos, no trabalho, na vida e na sabedoria.
Disse o Mestre Confúcio: “O objetivo do homem superior é a verdade. O alimento não é seu objetivo. O homem superior não se inquieta por não poder alcançar a verdade. Não se inquieta pela pobreza que lhe possa sobrevir”, o que significa; na busca do saber, os que desejam realmente alcançá-lo não teme denunciar o crime, combater o que é inapropriado e estudar sem cessar, a fim de conhecer cada vez mais. Os ignorantes, porém, pretendem associar seus ganhos materiais como resultado de seu trabalho, ao mesmo tempo em que reclamam de seu salário. Eis um sinal típico da inconstância e da contradição das gentes más!
Por estas razões, o caminho da redenção pela via do estudo, tanto externo (Xué) quanto interno (Zhi), são o caminho adequado para a maioria das pessoas. Deveriam seus mestres serem qualificados pelo seu conhecimento e qualificação moral, mas infelizmente, o oportunismo abre brechas nas instituições e permite a existência dos profissionais cujo objetivo é propagação do imperfeito, a supremacia do inapropriado, e a metodologia do escuso. Nestas casos, a traição e a desfaçatez tornam-se a regra entre os incultos, até que as grandes crises, como a dos Estados Combatentes ou a Grande Calamidade da última dinastia sobrevenham. Enquanto isso, os sábios atuam no vazio, permanecem nas sombras, e com seu coração infindavelmente transbordante de amor, retidão e justiça, aguardam a época em que serão chamados a retificar o mundo novamente.
Assim, o padrão do mau é a inconstância das ações e propósitos. Não somente o que é inapropriado satisfaz o mau, pois a existência do apropriado o incomoda. Eis a razão pela qual “O homem superior mostra-se satisfeito e tranqüilo; o homem inferior está sempre cheio de angústia”, o que significa: não há paz para aquele que nunca se satisfaz com o que é mutável; por isso os sábios buscam os princípios, para assistir o seu desenrolar e sua manifestação; o ignorante, contudo, se atém ao que muda, e por isso seus desejos acompanham a mutação. Este é o único padrão de sua conduta.
Do mesmo modo, a prática e a aplicação das leis se vê prejudicada pela ação do inapropriado. Disse o Mestre: “O homem superior pensa na virtude. o homem inferior pensa na comodidade. O homem superior pensa nas sanções da lei. O homem inferior pensa nos favores que pode receber”, o que significa: no exercício do que é comum a todos, deve-se pensar no que á apropriado para a maioria, e dentro das regras da correção, enquanto o ignorante vê nela um expediente para suas oportunidades. Que se abram os precedentes, e o mundo será, e tão somente, uma montoeira de precedentes, reivindicando direitos escusos e particulares; para isso existe a cultura e a civilidade, os ritos (Li) que devem pôr ordem nas coisas. Que receio deve ter um governante que, mesmo conhecendo o mau, não o pune; corrompe seus próprios alicerces, e desagrega, aos poucos, sua autoridade!
“Quando a inteligência não se torna presente, olhamos e não vemos, ouvimos e não escutamos, comemos e não sabemos o gosto do que comemos”. Ao dizer isso, o Mestre Confúcio nos alerta, assim, sobre a importância do caminho correto, que leva a verdadeira virtude; sem ele - o estudo-, a inteligência se torna uma estratégia para o inapropriado, e perde sua função vital de desenvolver a vida e dar a conhecer a multiplicidade da natureza. Por isso um ignorante não pode aproveitar uma iguaria, nem distinguir o sabor de um bom vinho. Seu objetivo imediato é apenas ter mais, conseguir mais, e poder mais; por isso os grandes líderes do passado tinham pequenos vícios particulares, mas que nunca foram inapropriados para si mesmos, para os outros ou para o Estado, e sua conduta moral não incomodava ninguém, exceto os errados. No entanto, os piores déspotas foram desprovidos de qualquer atrativo em especial pelos gostos, sabores ou temperos da vida; sua inteligência se destinava a um suposto auto-controle, que no entanto, só serviu para a repressão do mundo. Por meio de palavras fortes, criaram holocaustos e sacrifícios terríveis; esconderam a virtude, provocaram mortes e tiveram curta duração. Fossem mais inteligentes, e a sabedoria teria levado-os a compartilhar o festim da vida com as pessoas.
Disse ainda o Mestre: “O homem superior faz aquilo que é próprio da situação em que se encontra. Não deseja ir além. Numa situação de riqueza e honrarias, faz o que é próprio de uma situação de riqueza e honrarias. Numa situação pobre e humilde, faz o que é próprio de uma situação pobre e hu¬milde. Situado entre tribos bárbaras, faz o que é próprio de uma situação entre tribos bárbaras. Numa situação de penosas dificuldades, faz o que é próprio de uma situação de penosas dificuldades. O homem superior não pode encontrar-se numa situação em que não seja ele mesmo. Numa situação elevada não trata com desprezo os inferiores. Numa situação humilde não pede o favor dos superiores. Corrige-se a si mesmo e nada pede aos outros, de modo que não tem decepções. Não murmura contra o céu, não resmunga contra os homens. Eis por que o homem superior é tranqüilo e plácido, e espera os decretos do céu, enquanto o homem inferior caminha por perigosas sendas, em busca de acontecimentos afortunados”, o que significa: ser superior é fazer o que é apropriado em qualquer circunstância; isso é absolutamente simples, mas as gentes más não o conseguem, pois isso vai contra suas conspirações particulares. Esta é uma senda perigosa, que fatalmente, um dia, se vira contra eles próprios. Basta apenas um dedo apontado pelo sábio, e a verdade surge.
O grande discípulo Mêncio resumiu brilhantemente o que é a busca da sabedoria: “A benevolência é a inteligência do homem e a retidão é o seu caminho. Que lamentável é descuidar o caminho e não segui-lo, perder sua inteligência e não saber buscá-la de novo! Quando os homens perdem suas aves e seus cães sabem procurá-los de novo, mas perdem a inteligência e não sabem como encontrá-la. O grande fim do estudo, portanto, não é outro senão o de procurar a inteligência perdida”. Sem isso, não há possibilidade de evolução individual verdadeira. O estado de ignorância poderá se prolongar indefinidamente. No entanto, o Céu concedeu a possibilidade a todos de escolherem seus próprios caminhos. Em sua generosidade, concedeu-lhes os meios para a redenção e para a conduta inapropriada. Que lástima seja que, se na infância toda a bondade está em plena natureza, ela pode ser adulterada pelos desejos mesquinhos e pela ignorância! Por isso, mesmo assim, a educação verdadeira pode auxiliar a retificar a inconstância das gentes más.
Mêncio disse: “Com os que violentam a si mesmos é impossível falar. Com os que se desperdiçam a si mesmos, é impossível fazer alguma coisa. Renunciar à correção e à retidão na conversação é o que entendemos por violentar-se a mesmo. Dizer: “Não sou capaz de viver benevolamente ou seguir o caminho da virtude”, é o que entendemos por desperdiçar-se a si mesmo. A benevolência é a habitação tranqüila do homem e a virtude é seu caminho reto”, o que significa: que mesmo o mal, provocado pela inconstância das gentes más pode ser superado pela retidão. Que se retribua o “bem com o bem e o mal com justiça”, como disse o mestre Confúcio. A maior justiça de todas, pois, é proporcionar a educação verdadeira aos que vivem de modo inapropriado. Fazer cumprir as leis é sua consecução; punir o erro, sua correção; ensinar, por fim, a introspecção verdadeira é a obra do sábio, pois finalmente, por via do que sai pela boca daquele que tem o conhecimento, o mau pensa, e se vê diante de seus próprios erros. A dúvida é, enfim, o princípio da inteligência, e a alternância das forças que provoca a mutação real, em busca dos princípios primeiros.
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