A contemplação da existência no canto do mundo

Passaram os anos desde que fui enviado para cá. Meu mestre disse: ide e ensinai. Tentei fazê-lo, mas creio que fui mal sucedido. Acredito que só voltarei a ver a capital após cumprir minha pena - o que é uma lástima, pois em certos momentos acreditei que aqui residiria meu destino.

Agora estamos na época do frio, e tudo é melancólico. Nesta época somente as verdadeiras amizades sobrevivem. Um poema atribuído a Confúcio diz:

Qualquer letrado necessita ter
A alma firme e ousada
A carga da vida é dura
E a estrada, longa e amarga

Este é o problema do canto do mundo. Aqui, a jornada é longa e amarga. São anos se tentando ensinar e educar, mas as pessoas não o desejam. Nos tempos antigos, a educação era um orgulho - hoje, é uma vergonha. Ainda assim, é ela que mantém o mundo, mas a custa de nossos cabelos brancos. Disse o sábio hanshan, da montanha fria:

Vive o homem a vida numa tigela de poeira
Como bichinhos dentro de um jarro
Todo o dia andando a volta
Nunca saem lá de dentro
Não nos calha a ventura
Só temos em sorte as desgraças
O tempo parece ser um rio
Que corre. E um dia,
Acordamos velhos

Ah, céu! Que missão difícil o céu me deu. Envelhecemos, tentando apenas dar coragem para que as pessoas saiam desta tigela, mas elas não querem... e com o passar do tempo, tornamo-nos indesejáveis, porque quisemos dar o melhor de nós aos outros, e porque quisemos o melhor de outros para eles mesmo. hanyu estava certo: tentar ensinar ofende aqueles que não querem aprender.

Agora, sem saber como ficar, e sem saber como ir, deparo-me com a incerteza de como me conduzir. Disse dufu:

Meus poemas trouxeram-me fama
Mas envelheço, estou cansado e doente
Jogado de um lado para o outro
Como uma gaivota errante
Entre a terra e o firmamento

Nestas noites gélidas e moribundas é que me lembro dos antigos, e me pego envergonhado de minha fraqueza. Eles não desistiram, pelo simples amor que tinham a humanidade. Cabe a eu continuá-los, pois de todos os deveres, este talvez seja, justamente, o mais difícil. Não são as pessoas saudáveis que precisam de médicos, mas as que estão doentes. Estar no canto do mundo é, portanto, uma grande missão. não devo lamentá-la.

Assim como yin chama yang, a reflexão chama a descontração. Em meio a esta tristeza, devemos fazer também como os antigos, para nos preparar para o próximo dia. Diz um poema:

Para não viver em vão
E sim num suave delírio
Se tiveres mais de um pão
Vende um e compra um lírio

Terei até o fim dos meus dias para repensar sempre o que fiz de correto ou não, e talvez não tenha motivo para me arrepender - se virar pó, de nada adiantarão minhas reflexões. Que eu busque um balanço, então, uma justa medida que alivie minhas dores. tao yuanming também sofreu a descompostura de ter que abandonar o governo, ao qual se dedicou de coração, e ir morar longe. Ele bem sabia das contradições que sofremos ao querermos tanto para todos e tão pouco para nós:

Dentro de mim vive um hóspede
Mas nossos interesses não coincidem
Um de nós embriaga-se
O outro está sempre sóbrio
Sóbrio e ébrio, rimos um do outro
Não compreendemos nossos mundos
Decoro, conveniências
É tolice a eles nos escravizarmos
Sejamos orgulhosos, despreocupados
Só assim nos compararemos aos sábios
Escuta, velho bêbado;
Quando o dia morrer, acende uma vela

É o que faço. Com os poucos amigos que tenho, me reúno e reafirmo minha crença no que faço. não tenho e nem desejo esperanças: elas são para os fracos, que esperam por algo que mude suas vidas, mas que nada fazem por elas. Aqui no canto do mundo, muitos vivem assim. É uma lástima.

Por isso, me abrigo mais uma vez em Tao, querendo apenas esquecer para amanha recomeçar:

Meus velhos amigos sabem do que eu gosto
Quando vêem me ver, trazem vinho
Espalhamo-nos, sentamos sob os pinhos
Depois de umas rodadas, estamos embriagados
Velhotes, papo-furados, falam ao mesmo tempo
Passam o garrafão, sem reparar a quem toca a vez
Inconscientes do que seja o "ser"
Como podemos das às coisas o "devido valor"?
Perdidos nestes profundos pensamentos
O vinho tem pra nós um sabor inebriante

É até mais fácil sofrer belamente com os escritos dos antigos!

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