O que se diz transcendente é aquilo que seria espiritual. Existe, porém, o espírito 神? Não podemos afirmar que as coisas que não vemos existem; no entanto, algo que é invisível só não existe enquanto não for descoberto. Se descobrirmos como ver os espíritos, conseqüentemente, eles passarão a existir – e talvez percebamos que sempre existiram.
A questão é que nem todos os humanos podem falar com eles. Isso põe em dúvida sua existência. Há, contudo, pessoas que nascem mais fortes que outras; algumas podem treinar toda a vida, e nunca serão musculosos como alguém de compleição naturalmente robusta. Há quem enxergue bem, e há os que usam óculos. Ora, se temos habilidades físicas diferentes, a capacidade de ver ou contatar os espíritos deve existir em níveis variados entre os seres humanos. O obscurantismo intelectual, porém, impede uma visão correta do assunto; por isso, muitas vezes certas habilidades são tidas como únicas, e próprias de alguns heróis ou abençoados. É o caso de um corredor que parece ser insuperável e inigualável; ele provavelmente treinou toda sua vida para isso, mas quantas pessoas tiveram a chance de fazer o mesmo que ele? Quantas pessoas, com propensões para certas habilidades, não são podadas pela sociedade em que vivem, e nunca realizam a si mesmos? Se aceitarmos este raciocínio como correto, então, podemos admitir, igualmente, que algumas pessoas nascem propensas a se comunicar com os espíritos; e aos outros, cabe o treino e o exercício para o desenvolvimento dessas habilidades.
Contudo, afirmar que a habilidade existe é diferente, ainda, de provar que o espírito existe antes ou depois das mutações do corpo. Para explicar este ponto, é necessário recorrer à teoria yin-yang.
Se yin-yang são o processo gerador das coisas, logo, para cada manifestação da matéria há um princípio. Se o princípio de um corpo for o espírito, isso explica, portanto, porque dos corpos seguirem um padrão de Li 理, mas se manifestarem de modo único na mutação. Podemos nos perguntar, pois, se só há um grande espírito, e se é o corpo que dá os caracteres gerais da consciência. Se assim for, o que chamamos de espírito é um único princípio inconsciente, e a consciência só existe na vida, com a mutação. Um corpo sem vida, inclusive, não demonstra sinais de consciência. Podemos questionar, porém, se pode haver vida sem consciência ou o contrário; assim sendo, se se afirma que é possível contatar espíritos, então, o corpo é apenas uma morada mutável, onde um princípio habita. Do mesmo modo, o espírito pode transitar entre mundos ou corpos diferentes ao mesmo tempo, durante o sono ou a morte, como propôs Zhuangzi na fábula da borboleta.
O fundamental, porém, é que o corpo é mutável. Ora, se ele se transforma ao longo da vida, isso também transforma a consciência. Mas quem percebe a consciência? Só há um que percebe a mente, que é o próprio eu. Logo, o eu é sua mente, e não seu corpo. Afinal, quando criança, ele é de um modo; adulto, de outro; mas só ele sabe que é si mesmo. As pessoas podem não perceber suas mudanças físicas e conscienciais, e só elas o sabem. Então, quem sabe o que uma pessoa sabe, senão ela mesma?
Assim, as pessoas são formas de princípios manifestos, e que são únicos, pois cada um, somente, sabe o que está e o que é. Por esta razão, podemos ser espíritos em transição na mutação, apenas manifestando-nos.
Disso deriva outro questionamento: podemos então nos manifestar várias vezes? E porque não lembramos de outras vidas, ou, outras transições na mutação? É possível, pois, que hajam sucessivas manifestações de um mesmo espírito; no entanto, quanto a memória, devemos nos perguntar; o que lembramos de nossa própria manifestação, agora? Temos vagas recordações da infância, não lembramos o que comemos na semana passada; depois de uma bebedeira, olvidamos as coisas; e mesmo após um longo sono doente no hospital, perdemos as noções do tempo. Como lembrar de outras vidas se mal lembramos desta?
É válido, no entanto, inquirir o contrário: porque nascemos sem lembrar de nada? Isso só parece fazer sentido se entendermos que há um jogo entre o espírito que se manifesta e o corpo no qual se manifesta; como é novo, deve ser construído a partir do básico; caso contrário, já nasceríamos adultos.
Tantas perguntas nos levam a supor que ainda há muito a investigar sobre este tema. Se dele pouco sabemos, é justamente uma das coisas que deve ser procurada. Este é o princípio da evolução do conhecimento. O espírito não foi provado porque, até então, nunca se o discutiu senão pela fé cega ou pela razão materialista. Sem discutir a questão da crença, é impossível chegar ao espírito por meio da ciência.
Durante séculos, os pequenos corpos não foram vistos, e as pessoas acreditavam em ventos e vapores bons ou malignos. Depois, estes corpos foram descobertos; e no seguir, foram separados em vírus, bactérias e depois, ainda, em células e suas partes atômicas. O espírito, porém, não foi investigado desta maneira. Não se sabe como é, sua substância ou constituição. No intuito de comprová-lo, ou de negá-lo, deve-se então proceder a sua investigação.
Os meios pelos quais as pessoas contatam os espíritos podem ser diretos ou indiretos. Os diretos são aqueles das pessoas que os vêem, escutam, sentem ou os recebam em associação com seu próprio corpo. Os indiretos são os oráculos, como as carapaças de tartaruga ou o uso do Tratado das Mutações, entre outros. Desnecessário dizer que estes métodos se propõem àqueles que parecem desenvolver alguma forma de contato; tais classificações não se prestam aos mentirosos ou embusteiros. Esta é mais uma razão para desenvolver esta investigação, e separar os bons médicos dos curandeiros e charlatões – ou descobrir se só existem falsos médicos, ou verdadeiros curandeiros...
Estas meditações parecem nos aproximar dos budistas ou daoístas, mas devem ser tomadas com cuidado: não buscamos cultores de uma fé, mas investigadores da razão. A tradução das coisas transcendentes é, de fato, a naturalização do desconhecido. Buscamos nos aproximar deste conhecimento com respeito e intuito de esclarecimento. Não se cabe aqui a aceitação de dogmas pré-estabelecidos, mas a concretização do auto-conhecimento autônomo.
A compreensão da questão do espírito nos permite apreender com maior profundidade as dimensões do fenômeno da vida, fortalecendo os laços humanos com a ecologia do Céu.
Ao convocar os ancestrais, buscamos a redenção por meio de conhecimentos consagrados, e da sabedoria iluminada. Estée o Caminho do Espírito do Céu.
No entanto, é necessário um último aviso; sendo o humano um só, com ele mesmo, e sabendo ser ele o único que conhece ao seu próprio espírito, deve-se prestar fundamental atenção ao mundo de agora. Permeados de dúvidas devemos, portanto, dirigir nossos olhares atenciosos para as tradições pertinentes à cultura e à vida comum. Se a busca se dá agora, este é o momento crucial da existência – por isso, um sábio não pode esquecer-se de comer em meio aos estudos, assim como propõe melhorias para este mundo, e não afirma coisas que não crê poder comprovar. Confúcio já dizia: agrada ao Céu que façamos o que é apropriado, pois o próprio Li veio do Céu. Como deixar esta vida de lado em função de outras que não conhecemos ou lembramos? Como servir aos mortos se não sabemos servir aos vivos?
Eu pincel se guia pela minha mão; esta, pela minha mente; eu sou minha mente; mas, como às vezes gostaria de não estar aqui! E, no entanto, para onde eu iria? Mais fácil tornar este mundo melhor, se não se sabe fazer algo superior – mas haverá algo superior a salvar a humanidade? Isso não agradaria ao Céu? Nestas horas a mente se atira ao vazio, displicente e ao meso tempo preocupada, ensejando uma resposta que lhe dê alívio. Como, então, escapar desta inevitável busca? E será necessário? O Caminho do Espírito do Céu é profundo e difícil, mas o Céu é sempre generoso!
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