Um aprendiz buscou o sábio que dormia para tomar algumas lições sobre como pôr o mundo em ordem. Chegando lá, esperou o mestre acordar, e fez-lhe um chá que havia trazido. O mestre achou gentil e divertida a atitude do rapaz, e perguntou no que poderia ajudá-lo. Ele disse:
- mestre, me ensine como pôr as coisas em ordem no mundo.
O mestre deu uma risadinha, um suspiro e respondeu:
- é fácil. Comece arrumando meu quarto.
O discípulo olhou os livros espalhados, a cama desarrumada – mas extremamente gostosa, parecia – alguns objetos dispersos e ficou confuso.
- onde quer que os coloque?
- em qualquer lugar que você quiser, - disse o mestre.
- mas o senhor pode não gostar da minha arrumação.
- sim, é verdade.
- e como faço para acertar?
- e se eu não te disser como?
- então, não vou saber. Terei que tentar até acertar.
O mestre sorriu e lhe disse:
- como você vê, quem disse que o mundo já não está em ordem? Você olha essa bagunça e não percebe ordem nela. Mas e se eu te disser que já há uma ordem aqui? Aquela que eu mesmo criei, que me dá conforto e que está a mão quando eu preciso?
O aprendiz se sentiu iluminado com aquilo, como se tivesse tomado um tapa na cara. De repente, estava tudo em seu lugar certo. Então, ele perguntou:
- mestre, a atitude correta, pois, consiste em não agir, e deixar tudo fluir naturalmente?
- claro que não! - disse o mestre.
Surpreso, o rapaz não entendeu.
- por acaso a maçã virá da árvore até sua boca se você não se mexer? Haverá arroz se você não planejar a plantação? Não, não... a ordem respeita a natureza, com certeza... mas ela depende da atitude interior de querer mudar as coisas.
- não entendi, - falou o rapaz.
- pense no mundo como uma casa, repleta de coisas soltas pelos cantos. As panelas são para a cozinha, as camas para o quarto e os livros para a estante. Esse é o estado natural das coisas. Há – e não há – ordem, pois tudo está no lugar, e assim nada se mexe. Quando você leva um livro para a cama, quando come na sala, quando toma um chá na varanda, aí sim, você está criando uma nova ordem.
- mas tirar as coisas do lugar não seria uma desordem?
- e como você vai inventar coisas novas se não o fizer? Como criar uma nova ordem se não houver desordem? Olhe novamente o quarto; para quem observa as convenções de modo superficial, ele está uma bagunça; mas para quem estuda, dorme ou se diverte lendo e conversando, este é o canto mais aconchegante que há.
- então, uma boa bagunça pode ser a ordem?
- não, não – disse o mestre rindo... – isso seria somente desordem. Não ajudaria muito.
- por favor, me explique, fiquei confuso.
- se você comer sempre no quarto, as baratas tomarão primeiro a cozinha, depois, irão visitá-lo no seu canto. Se os livros saírem da estante, você os perderá. Mesmo a desordem acompanha a ordem. Como no mundo, os excessos levam à perda, a violência e ao desgaste. Deve haver um balanço equilibrado, um ajuste constante entre o natural, o necessário e o ideal. Isso é He 和 – a harmonia – a justa medida entre o que queremos e o que podemos. Se há uma sabedoria, ela consiste nisso: ponha ordem no que você pode, e o resto se ajeita. Não force demais, nem fique parado; haja conforme o necessário, arrisque aos poucos, e na calmaria faça e execute os planos futuros.
Quando o mestre terminou, o aprendiz olhava os aposentos de outro modo. Estava tudo em harmonia, tudo estava no seu devido lugar, embora nada estivesse mesmo no seu lugar. Do mesmo modo, o mundo lhe pareceu uma casa cheia de coisas soltas; algumas no seu lugar, outras não, e uma vida inteira para se mexer nisso tudo.
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